quinta-feira, 14 de novembro de 2013

JANGO: Vacilações e a deposição

EXPLICAÇÃO:


João Goulart, o Jango, voltou forte ao noticiário da imprensa, por causa da exumação do seu cadáver par apuração da causa de sua morte sob suspeita de envenenamento. Seus restos foram recebidos com honras de chefe de estado.
O texto abaixo, escrito em 1995 foi extraído do meu livro "Sindicalismo e Relações Trabalhistas" - 4ª edição que trata dos episódios centrais de sua deposição.
Quase duas décadas depois de escrito esse texto, talvez hoje pouco o modificasse, salvo aprofundamento de alguns episódios importantes e, principalmente, refletir um pouco mais sobre a conspiração que se instalou no seu tempo.




Passado o plebiscito, que pelo voto decretou a volta do regime presidencialista, o país entrou num processo gradual de desordens provocadas por seguidas greves, pelas vacilações e pela crise de autoridade do governo.

A grande imprensa aliava-se em denunciar o perigo comunista, assombrando a classe média. A época era muito propícia para esse tipo de campanha porque a “guerra fria” se constituía num polo de influência ao maniqueismo político: o sim e o não, o bem e o mal.

Alguns paradoxos  foram notáveis. A saudosa deputada Ivete Vargas, quando inquirida sobre quem dominava o movimento sindical à época de Jango, se ele próprio, a sua oposição dentro do PTB ou o PC, sustentou:

"Olhem, era tudo tão confuso e contraditório, a briga dentro do movimento sindical era tão grande, que é muito difícil saber. Dou-lhes um exemplo. Um dia chego em casa, ligo a televisão e vejo que Luiz Carlos Prestes estava dando uma entrevista. Como não estava com vontade de ouvi-lo, mudei de canal. Também ela transmitia a entrevista. Mudei para outro e foi a mesma coisa. Aí minha curiosidade cresceu, pois Luiz Carlos Prestes numa cadeia de televisão era um fato digno de registro. Foi quando ele disse que os comunistas ainda não estavam no poder, mas já estavam no governo. No intervalo, a minha surpresa cresceu, porque o programa era patrocinado pela Willys Overland. Como vêem, o governo Jango é cheio de mistérios e contradições”.

No final de 1963 a conspiração estava em marcha, nos Estados de São Paulo, Minas e Guanabara. Ela seria colocada nas ruas no tempo certo. O momento amadurecia, os acontecimentos iam sendo insensatamente fabricados: havia, afinal, o CGT, o PAC, as Ligas Camponesas no Nordeste, organizadas por Francisco Julião, que visitara Cuba, proclamando-se defensor do socialismo de Fidel Castro como solução para os problemas do campo e o movimento estudantil, comandado pela UNE.
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O então presidente da UNE, José Serra, em entrevista 30 anos depois desses eventos, negava ser a entidade estudantil um “braço de agitação dos comunistas”, mas “um instrumento de agitação dos estudantes e não de um partido, particularmente, como o PCB”. E o que representava Cuba para os estudantes? Segundo Serra, “Cuba era para nós importante por ter-se libertado de uma ditadura, pôr ter feito a reforma agrária, afrontando os Estados Unidos. Eram coisas menos relacionadas com o socialismo. Sensibilizava bastante a juventude politizada”. [1]
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Novos eventos abreviavam a queda de Jango:

    . Em setembro de 1963, cerca de 500 sargentos se rebelaram em Brasília protestando contra decisão do Supremo Tribunal Federal que negou reconhecimento à candidatura desses militares. O movimento foi logo dominado, mas alertou setores do Exército para a indisciplina demonstrada pelos sargentos e também porque o CGT se posicionara a favor deles;

    . No início de outubro, o governador Carlos Lacerda, em entrevista ao jornal norte-americano “Los Angeles Times” acusou os militares de estar discutindo, quanto ao governo Goulart, se “seria melhor tutelá-lo, patrociná-lo, colocá-lo sob controle até o término do seu mandato ou destruí-lo agora mesmo”.[2] 

Essa entrevista foi considerada injuriosa pelos ministros militares. 

Diante da indignação demonstrada por eles, Goulart propôs ao Congresso, a decretação do estado de sítio de tal maneira que pudesse intervir no Estado da Guanabara, destituindo o governador Lacerda. Essa intenção, pela forte oposição recebida de todos os lados, inclusive do CGT e do PUA - receando tornarem-se impedidos de promover as greves de rotina - não  prosperou.

Praticamente sem apoio, o governo de Jango ia se arrastando. O ano de 1963 registrou 81% de inflação, índice alardeado pela imprensa e por seus críticos.

Em 13 de março de 1964, em grande comício no Rio de Janeiro, com cerca de 200 mil pessoas, com a participação de inúmeras entidades sindicais, incluindo o CGT, o presidente assinou dois decretos: um que considerava de “interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União”, com o objetivo de “tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo e odioso” e outro determinando a encampação das refinarias particulares, “que passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional”.

Adhemar de Barros, Governador de São Paulo, que com Carlos Lacerda, Governador da Guanabara e Magalhães Pinto, Governador de Minas Gerais, conspirava abertamente contra o governo Jango, após o discurso disse abertamente estar empenhado, “no momento, como todo o povo brasileiro, na luta em defesa das liberdades democráticas, tão seriamente ameaçadas depois do pronunciamento do Presidente da República no último dia 13”.[3]

Carlos Lacerda, no Rio, como esperado fez, também, ao seu estilo, críticas veementes ao discurso do dia 13.

Parte da imprensa, com manchetes garrafais, formava a opinião pública do perigo que representaria a vitória do comunismo no Brasil.

Em comunicado aos seus subordinados, o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Castello Branco declarara ser uma ameaça “o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT”.

No dia 19 de março, saindo da praça da República, encerrando-se na praça da Sé, foi organizada em São Paulo, a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”. Gradativamente engrossada em seu trajeto, cerca de 500 mil pessoas manifestaram seu repúdio ao “avanço comunista”. Uma manchete moderada: “São Paulo parou ontem para defender o regime. Povo, pela Constituição”.[4]
Comentários de Goulart, a propósito:

“Nas grandes passeatas os cartazes não eram dirigidos contra a pessoa do Presidente ou contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos visavam a atingir o sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da tomada do poder pelos comunistas”.[5]

Cinco dias depois, ocorreu séria questão disciplinar na área do Ministério da Marinha. Contrariando ordens do ministro, os marinheiros decidiram comemorar o aniversário de sua associação. 

Diante do ato de indisciplina, ordenada a prisão dos organizadores, todos se refugiaram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos carioca. 

Os ânimos se exaltaram. O CGT presente ameaçou com a greve geral. Demitiu-se o ministro da Marinha. Goulart, incapaz de impor a autoridade de seu mandato, decidiu não punir os marinheiros. 

Nova crise nas Forças Armadas com a manifesta onda  de indisciplina atravessando, sem controle,  os portões dos quartéis.

Aparentemente superado o incidente, no dia 30 de março, Jango compareceu à solenidade em comemoração ao aniversário de fundação da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar da Guanabara. Ao discursar, reafirmou sua intenção de viabilizar seu programa de reformas, oportunidade em que criticou duramente seus opositores.

Foi o sinal esperado para se concretizar movimento com o objetivo de derrubá-lo. Minas declarou-se em “estado de beligerância”. À sublevação aderiram os governadores de São Paulo e Guanabara, contando com o apoio do Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná e Mato Grosso.[6]

Na noite desse dia, Goulart recebeu um telefonema de Amauri Kruel, comandante do II Exército, comunicando que sua permanência no governo ficava condicionada a ações no sentido de dissolver o CGT, prender seus principais dirigentes e ações no mesmo sentido contra a UNE e seus dirigentes.[7]

Goulart, lembrando suas origens, sempre ligado aos trabalhadores, recusou-se a quaisquer dessas providências.

Consumou-se, então, o golpe. Ao conhecer a extensão das manobras, o CGT tentou reagir com mais uma greve geral. Mesmo atingindo o movimento algumas atividades em São Paulo e Rio, de nada adiantou.

Os dirigentes sindicais ligados ao CGT entraram para a clandestinidade, outros deixaram o país e alguns presos, caso de Clodsmith Riani, presidente da entidade que, mesmo se entregando à 4a. Região Militar de Minas, permaneceu preso 5 anos e 8 meses.

Foi decretada a intervenção em centenas de entidades sindicais, incluindo federações e mesmo confederações, cujos dirigentes foram identificados como simpatizantes das teses comunistas ou meros suspeitos.

Goulart refugiou-se no Uruguai.
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Encerrou-se com a queda de Goulart, pelo maior deles, um longo período de golpes, de tentativas frustradas e de golpistas irrequietos, eternos insatisfeitos.

Desconhecemos levantamentos econômicos apurando o custo de todos esses desvios políticos para o país.

Basta lembrar, embora também por mérito de sua personalidade, o governo Kubitschek que teve começo, meio e fim. Houve progresso e desenvolvimento dentro da democracia e da liberdade. 

Hoje, um ponto de referência.

Esse precedente atesta quanto teria ganho o país se os governos  fossem mais  estáveis e, nesse passo, tivesse havido um mediano empenho em resolver os problemas nacionais.

O golpe fracassado de Jânio Quadros produziu a subida de João Goulart, sabidamente “suspeito” não só pelos militares, mas por segmentos influentes das chamadas “elites”.

A queda de Jango, passados tantos anos, é só compreensível pela desordem reinante. A propaganda e a atuação comunista eram eficientes. Mas, esses militantes eram conhecidos. Não poderiam significar qualquer ameaça, até porque as Forças Armadas repudiavam  incondicionalmente o regime.

É verdade que as rusgas  da “guerra fria” se irradiavam, apresentando-se a União Soviética como o polo negativo, o da ameaça à estabilidade do mundo.

Esse ponto foi muito aproveitado na propaganda anticomunista resultando nas manifestações populares de rua.

Mas, não havia ameaça real da ascensão comunista. Havia, certamente, o cansaço pela seqüência até irresponsável de movimentos paredistas. E havia, também, um presidente indeciso, apenas  mal tolerado, sem apoio.

Há algum tempo, num programa de televisão, sua viúva Maria Tereza reclamava que o único ex-presidente não “reabilitado” politicamente, era exatamente João Goulart, até hoje olhado com indiferença.

Muitos dos seus projetos de reformas seriam mais tarde, num momento político mais propício, melhor compreendidos. Havia neles um apelo para o encaminhamento de soluções para problemas que afetavam os mais carentes, um deles, a reforma agrária. Embora pouco tenha sido feito até hoje, existe  a crença sensibilizando cada vez mais as pessoas: a da necessidade do  combate à miséria que se amplia assustadoramente.

Depois, Goulart perdeu o governo por manter fidelidade aos seus princípios e aos seus aliados (ainda que supostos).

Há, nessa postura, méritos a serem considerados. Procurados imparcialmente, outros aparecerão.

LEGENDAS
[1] - “Folha de São Paulo” de 27.3.1994 (Entrevista de José Serra)
[2] - Moniz Bandeira, "O Governo João Goulart [As Lutas Sociais no Brasil (1961/1964)]
[3] - “O Estado de São Paulo”, de 17.3.1964
[4] - “Folha de São Paulo” de 20.3.1964
[5] - Moniz Bandeira, obra cit.
[6] -  “Folha de São Paulo” de  l.4.1964.
[7] - Esse diálogo é mencionado nos livros de Moniz Bandeira, cit., e de Hércules Corrêa ("A Classe Operária e seu partido"). Quanto a este último, afirmou tê-lo ouvido, autorizado por Jango, numa extensão telefônica  porque, naquele instante, se encontrava no Palácio das Laranjeiras.

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AOS INTERESSADOS NO TEMA VER / LER TAMBÉM ARTIGO CORRELATO: "31 DE MARÇO - 1° DE ABRIL: DIAS DO GOLPE CONTRA JOÃO GOULART" DE 31.03.2013