sexta-feira, 23 de julho de 2021

O QUE ESPERAR DA CHINA?



Homem segura garota no colo e posa para foto em frente a um grande mural que retrata o presidente da China, Xi Jinping (no centro), e outros líderes chineses em uma praça pública em Lhasa, na Região Autônoma do Tibete  na base do Palácio de Potala em 1º de junho de 2021  (O Tibete foi invadido pelas forças da China de Mao em 1950). Foto: Getty Images via BBC - G1 de 23.07.21


Lembro bem, no inicio da década de 80, compartilhando um escritório com um advogado muito religioso, aqueles que nos fins de semana saíam com a Bíblia debaixo do braço procurando fiéis, disse-me ele, dentro de sua crença, que a China seria o agente do mal para o mundo, a mente do anticristo o qualificativo que ele dava, então.

Pois não fazia muito, a China com a mão de ferro de Mao Tse Tung, falecido em 1976 com sua violência e reformas fracassadas, levaram o imenso país ao caos, significando perseguições políticas ou não, nestes os intelectuais, milhares de mortos pelo regime e, principalmente, a fome generalizada.

Ninguém me disse, mas minha conclusão elementar é de que vêm daqueles tempos morcegos e ratos, escorpiões no espeto e baratas como alternativas alimentares. E ainda hoje, nos seus mercados a céu aberto se constata quão nauseantes são alguns alimentos oferecidos, locais sem higiene. E até digo sem medo de errar, qualquer animal era ou é oferecido e alguns trucidados na frente do freguês.

Mas, então, já com Deng Xiaoping no poder, ele começa a mudar radicalmente toda a estrutura caótica de Mao. Em 1979 visita os Estados Unidos e não é possível avaliar o que pensara ao ver de perto a modernidade americana naqueles tempos, aquelas cidades suntuosas, o progresso técnico, a modernidade, a liberdade.

Então, voltando aos primeiros anos da década de 80, mostro ao meu amigo religioso, a manchete estampada no jornal que daqui a poucos anos completará 150 anos de circulação:

"A China abre-se para o mundo!"

E assim, nessa luta pela abertura de mercado, pelo que eu me lembre, vinha da China tudo quando era quinquilharia, de má qualidade, mas tenho comigo uma frase de Sun ‘Tzu no livrinho “A Arte da guerra”:

Aparente inferioridade e provoque a arrogância do adversário”.

Com o passar dos anos, a China foi se inserindo no mercado em todas as atividades econômicas, apreendendo as prioridades do mundo globalizado e partindo para dominar muitas atividades de interesse para o mundo e avançando para a alta tecnologia.

Nestes tempos de pandemia, a par de acusações que lhe são feitas de que o vírus escapara de algum dos seus laboratórios, a China se tornou referência no fornecimento de insumos sem os quais as muitos milhões de vacinas não poderiam ser produzidas. Neste ano de 2021, seu pequeno veículo “rover” pousou com êxito em Marte como já fizera e faz a NASA.

A China, pode-se dizer, produz tudo, inclusive veículos de qualidade. O país não perde tempo em conhecer e criar tecnologias.

Essas são realidades notórias hoje.

Mas, e a atuação politica de modo global?

Marx e Hengel, presenciado a classe trabalhador aviltada pelo capital nascente em meados do século 19, desenvolveram a tese que seria conhecida como marxismo, que consistia no controle dos meios de produção pelo Estado que propiciaria um quadro de vida mais saudável ao proletariado, inclusive com educação gratuita para todos. E esta ameaça:

"Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar."

Essas ideias de um modo ou outro tiveram influência em todo o mundo. Com o passar dos anos, melhoras foram sendo introduzidas no mercado de trabalho capitalista por força de teses socialistas.

Em 1917 eclodiu a Revolução russa que implantou o comunismo que pouco tempo depois se constituiria num regime ditatorial violento, comandado por Stalin. Para ele, a solução para seus opositores era a assassinato. Opositor importante, Trotsky exilado no México, foi assassinado em 1940.

Com a morte de Stalin, em 1953, seus sucessores voltaram-se gradativamente para o Ocidente, mas sempre mantendo o regime comunista centralizado. Com o passar do tempo, porém, com o desmantelamento da União Soviética em 1991classifica-se hoje o regime russo como uma republica. A Rússia não é mais comunistas? Não é, mas tem ranços após décadas de um regime cruel imposto pelo stalinismo e sucessores mais moderados. Putin de um modo ou outro está no poder desde 1999 mas pode disputar a reeleição mais duas vezes podendo governar até 2036 (!)

E a China? Voltemos a ela, agora que o Partido Comunista Chinês completa neste ano, um século. Da China do pragmático Xi Jinping.

As notícias que de lá vêm dão conta de que o regime, autoritário como é, tem se voltado a um processo de oferecer uma melhora na vida do povo chinês como por exemplo, aboliu os impostos rurais a par de criar "um sistema de bem-estar que fornece pensões e assistência médica subsidiada a todos”, mesmo que com limitações, mas agradando a maioria. Afirme-se, contudo, que a jornada diária de trabalho chinesa ainda é extensa.

E mais,

Se a declaração de independência dos EUA diz que os homens livres devem buscar a felicidade como lhes parece melhor, a mídia chinesa afirma que o partido busca “felicidade do povo” algo que virá de cima para baixo.” (“Estadão” via “The Economist” de 07.07.2021),

[Não dá para comparar a China de hoje, com o comunismo sufocante de antes que se mantém na Coreia do Norte, país que o povo tem que chorar quando o ditador “chora”].

Eu acho que esse socialismo do bem-estar como se desenha na China, ou como apregoado, pode ser sintetizado pelo que disse o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming:

"No primeiro centenário, o país construiu uma sociedade modernamente próspera. Inicia no segundo a transformação num país moderno e poderoso. O socialismo com características chinesas é o caminho assentado em sintonia em sintonia com a realidade nacional e a tendência dos tempos. Os diferentes percursos históricos deram origem  a uma profusão de culturas e sistemas sociais, o que faz com que existam vários modelos de democracia. Para 2049 (100 anos da República Popular), o governo cria um novo paradigma de desenvolvimento e eleva seu nível de reforma e abertura ao exterior. Sozinho, nenhum país estará imune aos riscos e desafios globais". ("Estadão" de 18.07.2021),

O embaixador ainda fala na preocupação chinesa com as severas alterações climáticas destes tempos e também: "Solidariedade e convivência harmoniosa são a única alternativa para a humanidade. A China trabalhará com todos os países do mundo para promover os valores comuns de paz, progresso, equidade, justiça, democracia e liberdade, praticar um verdadeiro multilateralismo,,,"

Esse socialismo de bem-estar, nem sei se imaginado por Marx-Engel nesses termos, aliado à sua tecnologia excepcional, seu poderio econômico, suas necessidades de alimentos para mais de 1 bilhão de chineses, tolerante com algumas regiões, principalmente as de sua tradição, de que modo influenciará a mundo todo, considerando que não parece querer mudar seu regime comunista autoritário?

E o confronto com os Estados Unidos que, tudo indica a China os superará brevemente nos campos tecnológicos e econômico?

Porque diz o Partido Comunista da China que merece governar por causa das coisas incríveis que faz. 

Ainda não esqueci a preocupação  daquele advogado religioso que vaticinou a China como o grande vilão espiritual do planeta.

Talvez não chegue a tanto. Uma incógnita  que os próximos anos poderão responder.