quarta-feira, 25 de setembro de 2024

MEMÓRIA: MANAUS 50 ANOS DEPOIS





Queimadas na Amazônia






Trabalhar em multinacionais, alguns funcionários são escalados para viajar para o exterior em muitos casos, como o meu caso, para um aprendizado: fui conhecer as estratégias de negociações coletivas sindicais nalguns países da América Latina. Isso em 1975.

Então, depois da Argentina, Colômbia e México, a última escala, voltando, foi a Venezuela.

Nesse país, a Chrysler tinha uma fábrica, um galpão, mas montava aqueles carros enormes, equivalentes ao Dart, Le Baron, Charger...

Pergunto ao motorista em quais regiões na Venezuela o petróleo existia.

Vaidoso, o venezuelano me respondeu apontando terrenos baldios:

— Aqui, ali em todo lugar.

O bolivar — moeda venezuelana — era cotado a 50% do dólar, significando que o cruzeiro na Venezuela era moeda fraca.

Depois desse último compromisso, entrei no Brasil por Manaus, e lá fiquei uns três dias até que surgisse um voo disponível, direto para São Paulo.

Nesses poucos dias me entrosei bem com os costumes manauenses, os passeios, o teatro no Largo de São Sebastião, àquele rio-mar todo, os barcos, "tudo" girando em torno do Rio Amazonas.

A floresta nem estava tão longe da cidade um orgulho e uma característica: a regularidade das chuvas à tarde Ouvia-se:

— Olha à tarde, depois da chuva nós nos encontramos na rua Sete de Setembro, no lugar de sempre.

— Não vai dar, melhor que seja mais cedo, antes da chuva.

Essa a realidade há 50 anos.

Hoje não só Manaus, mas o Estado do Amazonas sofrem com seca perversa e a explicação é simplista demais: isso se dá pelas mudanças climáticas.

As mudanças climáticas começaram, na verdade, a partir da selva amazônica sob exploração criminosa, o desmatamento ilegal em busca de madeira e, não adianta negar, a exploração agropecuária que exige, também, o desmatamento.

E agora a insanidade explícita provocando incêndios imensos, vitimando os animais e pássaros que vivem no seu interior numa ligação ecológica não totalmente explicada ainda e que vai sendo destruída num quadro de irresponsabilidade inimaginável.

Com aquele quadro que presenciei naqueles poucos dias há 50 anos, as chuvas constantes, aquela vibração inexplicável de vida em grande escala, os grandes rios vivos suportando tantas atividades e sustentando tanta gente que me ocorreu um dia, há cerca de 40 anos, que tudo aquilo era potencialmente um risco à exploração desenfreada.

Dai porque, na imprensa regional, que chamo "nesse meu canto" quando me refiro  a ela, apontava a devastação crescente que prenunciava o pior. Em setembro de 1984 (há 40 anos), escrevi sobre os "fazedores de desertos" com as indagações da época, do que  dou um trecho do artigo publicado no ABC:

"Aqui já nos manifestamos numa linha ecológica que nos parece, daqui para frente, numa progressão geométrica o grande desafio que enfrentaremos, não como demonstração piegas de “amor à natureza”, mas como elemento de sobrevivência.

Enquanto isso, os técnicos, diante dos fenômenos naturais incomuns que se intensificam no mundo todo, costumam achar explicações científicas e racionais concluindo, em outras palavras, que se trata de um capricho da natureza.

(...)

Dessa forma, acima dos cálculos e dos gráficos, latentes e poderosas permanecem as mensagens intuitivas que, silenciosamente, vão nos dando a medida das coisas. E a essas, não é nada coerente ignorarmos.

A natureza age com outras forças. Notem os prognósticos dos meteorologistas, cuja única tarefa é analisar as condições do tempo. Passam horas diante dos seus instrumentos e gráficos e com que frequência erram em suas previsões.

Todas essas conturbações que estamos vivendo tendem a se intensificar. As enchentes no Sul (claro que não se referem à tragédia deste ano no Rio Grande do Sul), além do desmatamento indiscriminado e irresponsável ao longo de décadas, se deve (a despeito dos desmentidos técnicos), à imensa reserva aquática debitada à Usina de Itaipu que passou a representar o desequilíbrio maior numa região já sensível aos efeitos das frentes frias".

Sim, com as catástrofes ambientais que se repetem estamos nos aproximando de um tempo em que a preocupação será a sobrevivência do homo sapiens.

E o que fazer?

Começar a refazer tudo o que foi desfeito, com urgência.