terça-feira, 11 de maio de 2010

GREVE DE 1978: O INÍCIO DE TUDO

Memória. Datas que se perdem no tempo. A greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo iniciada em 12 de maio de 1978. A ascensão de Lula na mídia nacional de internacional. A “liberdade na distensão”. O meu “desgaste” pessoal.

Naqueles idos de 1978, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo assumira uma posição agressiva, opondo-se em relação às negociações coletivas – se assim podem ser chamadas - que eram decididas na Justiça do Trabalho, nas reuniões de conciliação e julgamento.

A greve era regulada pela Lei n° 4330/64 que por série de obstáculos praticamente a inviabilizava para que fosse considerada “legal”.

Essas restrições e modos de resolver as reivindicações trabalhistas se arrastavam desse modo, resultando em justas expectativas reprimidas dos trabalhadores.

Esse estágio não poderia perdurar por muito tempo, até que em 12 de maio de 1978, na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo, contrariando a “lei de greve” seus operários paralisaram suas atividades, reivindicando aumento salarial.

Não levada a sério desde logo, com surpresa ela começou a perdurar.

Embora o movimento sindical já despontasse agressivo naquela cidade, irradiando-se por todo o ABC, a verdade é que aquela greve não tivera a intervenção do Sindicato. Nascera dentro da fábrica por iniciativa de seus empregados insatisfeitos com as perdas salariais e com a falta de liberdade de assembléia.

Por isso, esse movimento daria uma sacudidela na "abertura" palavra que começava a aparecer para identificar uma possível lenta e gradual volta à liberdade no país, presidido por Ernesto Geisel.

A greve avançava em São Bernardo e começava a dar sinais de que a qualquer momento alcançaria todo o ABC e, mais tarde por todo o Estado de São Paulo.

Perdidos os empresários porque há mais de uma década não assistiam uma greve e alguns sequer tinham convivido com tal movimento algum dia depois de 1964 propiciaram desgastes de toda ordem, muitas alternativas inúteis tentadas para fazer os trabalhadores voltarem, “pedidos de votos de confiança”, vazios, sem qualquer êxito. Via-se naqueles dias uma bem estruturada “greve dos braços cruzados”, inicialmente sem liderança.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Luiz Inácio da Silva – o Lula, já se destacando como dirigente sindical -, por falta de qualquer outra opção até porque a greve avançava, foi chamado pelos empresários da indústria automobilística para negociar um acordo.

Esse acordo seria firmado entre o Sindicato e o SINFAVEA (Sindicato da Indústria Automotiva) no fim daquele mês de maio resultando na volta ao trabalho dos metalúrgicos. A FIESP com o objetivo de encerrar a paralisação no Estado aderiu ao acordo.

A partir daí, começaria um notável nível de bajulação sobre a “estrela” Lula, “o dirigente sindical autêntico” que anunciava a organização dos trabalhadores de sua cidade e Diadema – o que realmente ocorreu, não só pelos movimentos paredistas posteriores como pelo fortalecimento deles no recinto das fábricas.

Na imprensa, o dirigente sindical passou a ser um ícone para “resolver” todas as questões nacionais e internacionais, o que lhe deu projeção aqui e no exterior.

Ficou famosa sua entrevista na TV Cultura de São Paulo nos dias da greve 1978, quando afirmou que rejeitava a política:

“Não tenho pretensão política. Isso eu faço questão de deixar bem claro, eu quero dizer que a única coisa que aprendi a fazer na minha vida foi ser torneiro mecânico, e estou tentando aprender a ser um bom dirigente sindical. Não tenho pretensões políticas, não sou filiado a partido político e tenho certeza de que jamais participaria da vida política, porque eu não sirvo para político.” (1)

Certa feita um dirigente sindical dos idos anteriores ao regime militar de 1964 dissera com todas as letras que há um momento que o sindicato é maior que o dirigente e há um momento em que o dirigente se torna maior que o seu sindicato. Nesse momento o líder sindical envereda para a política.

Esse tipo de postura de um dirigente sindical foi um achado para Geisel e Golbery do Couto e Silva que articulavam lentamente a abertura política “gradual”.

Não havia e isso já demonstrei no meu artigo de 01.04.2009, qualquer animosidade de Geisel contra Lula. Sobre a greve dissera Geisel: “A liberdade na distensão”. (2).

E isso é tão sintomático que até mesmo o Cel. Erasmo Dias, Secretário de Segurança Pública de São Paulo entre março de 1974 e março de 1979 – o mesmo que invadiu a PUCSP em 1977, para coibir manifestações da UNE - nessa entrevista de Lula à TV Cultura, fez pergunta bastante amena ao dirigente sindical em franca projeção.

Depois disso, todos sabem, novas greves com intensa repercussão, e logo depois, em fevereiro de 1980, era fundado o PT em São Paulo, congregando representantes da igreja, intelectuais, militantes radicais. O PT deu no que deu. E Lula, deu no que deu. Sobre essas variáveis, tenho escrito aqui até com frequência neste portal.

MEU DESGASTE PESSOAL NA GREVE DE 1978: “O dia em que a boiada virou boiadeiro”

Esta crônica já não é nova, já publicada (3), rigorosamente verdadeira reflete meu desgaste pessoal nas greves de 1978. Aborrecido com a experiência “heroica” que não dera certo, andara por aqueles dias cabisbaixo na empresa multinacional do ramo automotivo que trabalhava.

Até que um colega de uma empresa concorrente num almoço se sai com esta:

- Sabe, aquela sua experiência do contato pessoal com a "peãozada" no meio da fábrica foi interessante, porque provou que a negociação não pode ser direta empresa-empregado, mas empresa-sindicato. Que descoberta!

Foi o que restou!

Já lá se vão 32 anos. Lembrem-se que a perplexidade empresarial era total. Improvisos e ridículos não faltaram. Quem viveu...

A greve avançava em São Bernardo e começava a dar sinais de que a qualquer momento chegaria a Santo André, cidade onde trabalhava. Havia, no ar, nessa expectativa, um incômodo nervosismo, do momento em que a fábrica pararia. Mas, pararia mesmo?

Claro que pararia!


                        Portaria da extinta Chrysler em Sto. André  (*)

Numa tarde quente, houve uma paralisação rápida. Toda a supervisão foi mais que depressa ao "chão" da fábrica. Foram reunidos os mais de mil empregados da produção, em pequenos grupos sendo convencidos a retornarem ao trabalho, prometendo-lhes uma resposta às reivindicações dois dias depois.

Houve certa emoção, um sabor de vitória, depois dessa primeira experiência porque as metalúrgicas estavam todas paralisadas então. Aquela massa de macacão, meio identificada com as máquinas, integrante delas, suja de graxa, tinha voz, tinha olhos, pensava.

Passaram-se os dois dias. Pelo generalizado estado de perplexidade então reinante com a forte greve, nada fora resolvido, as negociações não haviam evoluído. Na verdade não houvera negociação. Resultado: nada havia a oferecer, até porque os empresários mais jovens por nunca terem enfrentado uma greve, não sabiam como negociar.

Muitos foram conhecer o movimento sindical no exterior, mas a teoria era bem diferente da prática.

Próximo do horário marcado, todos nós estávamos tensos, a supervisão e os empregados.

No momento exato em que os ponteiros completaram a volta das 14 horas, a fábrica começou a parar. Aquele ruído cadenciado, às vezes ensurdecedor, silenciou.

Seguiram-se muitas tentativas desordenadas e inúteis de mudar o quadro, reuniões com todos os empregados mas o nervosismo imperava. Era generalizada a inexperiência de todos no enfrentamento de um movimento daquela magnitude, mais ainda porque não havia lideranças entre os grevistas declaradas ou conhecidas.

Dois dias depois, já vivendo um nível geral de desgaste reuni, como administrador de recursos humanos que era, então, um grande grupo de operários na área da fábrica, exatamente onde começara a greve. E ali tentara o diálogo franco, aberto. Um ato insensato de heroísmo barato.

Vi-me diante de uma "boiada" reunida, tentando que voltasse para seu "pasto" sem ração.

E o que dizer diante de seus olhos penetrantes, preocupados e tensos? O que fazer para que acreditassem na sinceridade de um estranho, engravatado, que vez por outra aparecia na fábrica com pose arrogante, sem qualquer proposta a oferecer, apenas (mais um) pedido de "voto de confiança"?

Essa "boiada" sequer admitira palavras fortes, palavrões de porta de botequim a esmo pronunciados por mim no auge da insensatez. Fora questionado no ato por tais palavras por um humilde peão:

- Como um alto dirigente poderia pronunciar tais palavras de baixo calão?

Alguns "sem rostos", gestos quase imperceptíveis, mas suficientemente convincentes, afastavam o ânimo daqueles que manifestavam alguma intenção de retomar o trabalho.

O esforço de nada valeu, restou apenas o desgaste pessoal.

A greve manteve-se firme, só encerrada mais tarde, depois de garantidas algumas reivindicações, já com as negociações iniciadas.

O aprendizado começara.

Pelos olhares daqueles peões, definira desgastado tudo aquilo que passara com uma frase que jamais abandonaria: “naquele dia em que a boiada virou boiadeiro”.


Com as negociações vitoriosas, a consagração do sindicalista Lula em pleno regime militar. Tudo muito conveniente. (**)

Referências:

(1) “Lula – Entrevistas e discursos” – ABCD – Sociedade Cultural / 1980.
(2) “Crônica Sindical (com Geisel & Lula)” de 01.04.2009 neste portal
Trecho: “Sempre houve rumores de que a ascensão de Lula fora um “achado”, para o general Golbery do Couto e Silva, o influente chefe da Casa Civil de Geisel, que não lia na cartilha da “linha dura” e articulava a denominada “abertura lenta e gradual”. Lula atuaria, então, no flanco sindical, “útil” nesse objetivo.
No seu livro de memória, Geisel se referira a Lula com condescendência, embora o qualificasse de “espantalho” para justificar seu voto em Collor. Quando inquirido sobre as greves lideradas por Lula, disse Geisel que o País vivia tranquilo mas começava a ser perturbado por elas: “Eram fatos desagradáveis, mas que faziam parte da liberdade que a distensão procurava assegurar”. (“Ernesto Geisel”, org. por Maria Celina D‘ Araujo e Celso Castro –FGV. Ed./1997).
(3) “Sindicalismo e Relações Trabalhistas” de minha autoria.

(*) Foto da portaria da Chrysler cedida por Cezr Livio.

(**) Temas correlatos: "Crônica Sindical (com Geisel & Lula)" e "O sentido do 1° de Maio" ambos de 02.04.2010

Foto: Folha Imagem (Google)

Página do Diário do Grande ABC de 12 de maio de 2018:

Acessar: https://martinsmilton.blogspot.com/p/sabado-12-de-maio-de-2018-40-anos-da.html

Um comentário:

  1. Milton,

    tudo muito conveniente ou/e muito convincente... Aparentemente, a "válvula de segurança da panela de pressão" funcionou e segue funfando... Veremos como será com os reatores atômicos do Irã...

    ResponderExcluir