segunda-feira, 21 de junho de 2010

A CRIAÇÃO BOVINA E O CUSTO AMBIENTAL



O ensaio de uma campanha do MPF contra o consumo da carne ilegalmente obtida. Os efeitos ambientais da criação bovina, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Outros relatórios alertando sobre os prejuízos ambientais


Volto a este assunto árduo.

Há umas duas semanas fui surpreendido, assistindo o jornal da TV Bandeirantes, por um editorial lido pelo jornalista Joelmir Betting de baixa qualidade, primário mesmo. Fora procedido de um breve filme de alerta, produzido sob responsabilidade do Ministério Público Federal que incentivava o consumidor brasileiro a questionar a origem da carne que consumia porque se fosse de origem clandestina, poderia estar contribuindo para a devastação em maior escala de áreas de florestas, inclusive na Amazônia.

Esse filminho mostrava a preparação de um churrasco assado sobre fogo de lenha.

O que dissera o “editorial” da TV Bandeirantes? Que tal campanha, em outra palavras, poderia prejudicar a produção de carne que sustenta boa parte da população brasileira e do exterior considerando os inumeráveis países importadores desse produto.

A questão posta nesse comentário fora se limitara a mera análise econômica, zero nos cuidados ambientais que o gado bovino provoca, até como princípio de discussão e para demonstrar o outro lado do tema. Logo depois, com a notícia da propagação da mancha de petróleo no Golfo do México - catástrofe insolúvel até aqui – sairia o popular jornalista com aquele seu chavão de décadas: “a natureza de vinga” dos nossos abusos contra ela.

O “editorial”, pois, foi ruim porque se limitou àquela opinião vazia sem antes ouvir quem de direito do MPF, o que pretendia a instituição alcançar, seus motivos, etc.

E o MPF se defenderia em nota oficial inserida na internet.

Após acentuar que cumpria sua função constitucional, acentuaria:

“Assim, a campanha, antes de mais nada, pretende formar um consumidor que, atento ao mercado, busca separar os agentes econômicos, privilegiando aqueles que efetivamente se preocupam com uma produção correta, afastando assim a origem ilegal, quer pelo abate clandestino, quer por não ter dos fornecedores um compromisso pela não utilização de mão-de-obra escrava, lavagem de dinheiro e novas áreas desmatadas.”

Essa campanha, pelo que se constata até agora, não foi em frente, não houve a inserção daqueles vídeos de alerta contra a carne clandestina.

Coincidentemente houvera nos dias desses embates uma notícia que engrossaria a preocupação ambiental com a pecuária que repercutiria alertas do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) que entre outras relevâncias apontaria:

“A produção agrícola consome 70% da água potável, 38% do uso da terra e 14% das emissões de gases-estufa”, segundo Achim Steiner, chefe do Pnuma.

E outro dado do relatório:

“Produtos de origem animal são impactantes porque mais da metade das plantações do mundo são usadas para alimentar animais, não pessoa”, informa o mesmo Steiner. (1)

Segundo o World Resource Institute, mais de um terço (37%) da produção mundial de cereais é desviado para a alimentação bovina.

E no consumo da carne há um dado que pode ser considerado novo: a China que consumia 13,7 kg de carne em 1980, hoje consome em média 59,5 kg por ano.

O gado bovino com a aumento da produção do produto carne, segundo esses relatórios é responsável por

(i) 18% das emissões de gases causadores do efeito estufa, segundo a FAO (mais que os transportes) ou 51%, segundo o World Watch Institute (mais que a geração de energia);

(ii) 8% do consumo de água e emanação de 37% do metano, que colabora para o aquecimento global 21% a mais que o CO2 emitido pelas atividades humanas;

(iii) Pela contaminação dos cursos d’água, devido principalmente à grande quantidade de dejetos produzidos pelos animais e descartados in natura em rios, aos antibióticos e hormônios usados na criação e substâncias químicas usadas nas monoculturas para a produção de ração. Como conseqüência, 64 % de toda amônia lançada na atmosfera e nos cursos de rios são de responsabilidade desta atividade o que contribui para o aumento de chuvas ácidas;

(iv) Pelo alto consumo de água para o processamento das carcaças. Segundo levantamento da CETESB/SP (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo), os abatedouros paulistas utilizam, em média, 12 litros de água para processar a carcaça de um frango e 2.500 litros para a de um bovino (Para atender todas as necessidades humanas o consumo está estimado em 120 litros por dias). (2)

E por aí vai. Outros dados também preocupantes podem ser encontrados em breve pesquisa no Google. Claro que não é possível se imaginar a abstenção total da carne como alimento, mas esses elementos postos indicam que algo deve começar a ser mudado nesse mercado.

Dirão alguns: ora, se diminuído drasticamente o abate, não serão os 37% da produção agrícola empregados para a alimentação animal que suportarão a substituição da carne. Esse argumento pode até ter algum significado real mas na contrapartida há a devastação ambiental cruel e irresponsável que vem sendo perdoada ou tolerada porque no pasto recém formado se produz “alimento”. Autêntico vale-tudo. E se preciso, mudam-se as leis de proteção ambiental para alargar os pastos, diminuir a reserva legal...

Esse é um quadro que precisa mudar. É chegada a hora de ser estabelecido um ponto de equilíbrio, de planejamento rigoroso de tal ordem a impedir que o ambiente pague como vem pagando com graves consequências num futuro próximo e mais a frente para as futuras gerações, esse descalabro inconsequente e incentivado, vinculado ao dinheiro, ao lucro sem medir o custo que a devastação provoca à própria qualidade de vida.

Ah, sim, aos seus ofensores – e somos todos nós – a natureza se vinga, não é mesmo?

Ironias a parte, é esperar para ver as decorrências dessa política (anti) ambiental desastrosa, se já não estamos vendo.

Referências:

(1) Jornal “O Estado de São Paulo” de 03.06.2010

(2) Dados extraídos de artigo de Irineu R. G. de Andrade - engenheiro e ambientalista – publicado na internet. Título: “Relatório da ONU confirma que a pecuária é uma das grandes causas da poluição ambiental e do efeito estufa. Ou diminuímos o consumo de carne ou enfrentaremos um grave problema sócio-ecológico em breve”

5 comentários:

  1. Caro Milton

    Vendo essa foto chocante me pergunto se ainda não vivemos na idade das cavernas...
    Me choca a hipocrisia dos que se dizem humanos...
    Parabéns pela coragem de denunciar, de mostrar a realidade nua e crua que muitos preferem ignorar.

    veg abraço
    Ivana

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  2. Milton, muito bacana seu blog. COnheci através de um e-amil da Ivana. Eu tenho um site muito conhecido no meio vegetariano, o Vista-se www.vista-se.com.br e ficaria honrrado se você assinasse uma coluna nele, publicando alguns de seus textos que aparecem aqui no seu blog.

    Caso interesse, escreva pra mim no e-mail fabiochaves.net@gmail.com

    Parabéns, gde abraço.

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  3. Dr. Milton, parabéns pelo texto. Concordo que a natureza se vinga dos abusos contra ela. E o homem está pagando um alto preço pela sua ação predatória. Que Deus tenha misericórdia de nós! Um forte abraço da Marisa Bueloni

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  4. Prezada Ivana
    Preciso discorrer um pouco sobre esse artigo.
    Num outro que escrevi, vc me dissera que concordara, salvo engano, com quase tudo.
    Tqlvez porque assumira eu, então, como assumo agora, que o consumo da carne será difícil extirpar dos hábitos da "humanidade", até porque o MacDonalds está na mundo todo, fabricando dinheiro com os hamburgueres.
    Os que repudiam a carne como fazemos, têm que lutar pelo choque das imagens, mostrar a violência desmedida com os animais e também o grave prejuizo ecológica que todos querem ignorar com o gado e a sua matança continuada. Aliás, havia foto muito mais contundente que resolvi não utilizar porque afetava de maneira muito forte o meu próprio sentimento de pena e emoção.


    Prezados Marisa e Fábio
    Grato pelas suas palavras.
    Fabio, quanto à sua gentileza, voltarei. Abraço.
    Milton Martins.

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  5. Milton, mais que vingar-se, creio que a natureza se defende... No primeiro caso, é uma opção, mas, no segundo, é questão primordial de sobrevivência. Como dizem que a melhor defesa é um bom ataque... Panorama sinistro!
    Abração.

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