quinta-feira, 4 de julho de 2024

CONGRESSO SEM REFERÊNCIAS. INFLAÇÃO, PLANO REAL. MEMÓRIAS

Há cerca de um mês, entrevistado no programa "Canal Livre" da TV Bandeirantes o ex-Ministro Rubens Ricupero, falando do Congresso Nacional se ressentia, e esse expressão é minha, que não havia mais referências de políticos no nível de Mario Covas, Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, Tancredo Neves...







Eram parlamentares que seguravam e muito a dignidade do Congresso Nacional, fossem quais fossem as exacerbações. E havia, pós ditadura que se esvaíra em 1985, ainda, os seus defensores ferrenhos. Como os há ainda hoje.

E nesse Congresso, mesmo sem Tancredo mas com essas influências que foi promulgada a Constituição de 1988 que, mesmo com falhas, mantem o país relativamente estável até hoje.  E, por incrível que pareça, o PT votou contra.

Quantas vezes é a Constituição é mencionada como parâmetro para conter excessos e até tentativa de golpes como se deu em 2022/3.

E hoje quais são os deputados e senadores que mais se destacam, todos recitando a cartilha da radicalização sem causa: um garoto de nome Nicola, um certo Gayer, Eduardo Bolsonaro, Marcel Van Hatter, Marco Feliciano, Carla Zambelli, Damares Alves, Eduardo Girão. o "czar" Lira das Alagoas, a coluna evangélica que cospe nos Evangelhos. Há outros. 

E muitos desse Congresso, hoje, são afoitos com o orçamento semi-secreto cujo dispêndio é pouco fiscalizado, suscitando oportunidades de corrupção.

Eu tenho memorias desse tempo porque acadêmico de Direito na PUC de São Paulo na vigência do AI 5 . Lá estava José Dirceu nessa mesma Faculdade, fazendo discursos à esquerda radical tendo como inspiração a revolução cubana. Preso, libertado em troca da libertação do embaixador norte-americano sequestrado por radicais terroristas — embarcou para Cuba.

Ele está de volta e seu discurso não mudou muito porque lhe pesa essa "cultura" de Castro e Che Guevara. Os tempos mudaram e há petistas saudosos desse tempo que o tempo arquivou. Os discursos de José Dirceu, então, no meu modo de ver, não têm mais espaço nestes tempos mesmo que tão conflituosos.

Desses tempos de PUCSP as aulas de "Introdução à Ciência do Direito" e "Ética do Direito" matérias ministradas pelo então Senador Franco Montoro, um professor sereno, interessado pelos alunos.

Eis que num exame oral, embora sempre mau aluno, mas sabendo da matéria, não sei se ainda jovem impressionado pelo senador, deu aquilo que se chama de "branco". Ele percebera que tinha eu domínio da matéria e, então, com muita paciência, foi me ajudando a recuperar o domínio. Como esquecer isso?

E o Lula? Pois eu "convivi" com ele nos meus tempos da multinacional Chrysler de SBC para a qual trabalhava em relações trabalhistas. Mantive algum contato nos tempos em que era ele diretor previdenciário. Repito: a greve de 1978 foi um marco. (*)

Ele foi dessa turma inspirada por Cuba, razão porque "mostrava a língua" aos Estados Unidos e até hoje de certa maneira ainda faz, mas pela sua atuação sindical ajudou a reconquista da democracia. Não há como negar isso!



Tancredo e Lula



Disse-o a seu modo Ernesto Geisel em sua memórias ao afirmar que foi preciso prender Lula pelas greves... porque "eram fatos desagradáveis, mas que faziam parte da liberdade que a distensão procurava assegurar". 

Sua projeção política foi tanta que foi reeleito presidente da República por três vezes, esta ultima derrotando Bolsonaro com tudo o que tinha para ser reeleito. Bolsonaro não foi reeleito porque, sobretudo, tomou atitudes irresponsáveis, assim agiu, ao longo do seu mandato. 

Foi nesse mesmo livro que Geisel se referiu a Jair Bolsonaro: "Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar".(**)

Sim, convivi com os percalços da alta inflação.

Em janeiro de 1989 foi introduzido o cruzado novo (NCz$) que significou o corte de três zeros no cruzado combalido pela inflação galopante.

Nesse ano de 1989, por conta de multinacional para a qual trabalhava fui para os Estados Unidos, visitando várias de suas fábricas no estado do Ullinois.

Eis que havia nos contatos amigáveis, uma constante: uma certa perplexidade com a inflação brasileira e até, em alguns momentos, ironia que foi cansando.

Já relatei isso:

Embora tivesse comigo um colega que falava bem o inglês, coube a mim, com meu inglês ruim explicar pros americanos a loucura da inflação brasileira.

- Bem, nós resolvemos a inflação com a “monetary corretion” e é possível controlá-la com a equiparação ao dólar.

Reage o americano perplexo:

Para quê a inflação se tem a correção monetária?

Responder o quê?

Essa explicação fora dada várias vezes porque a perplexidade era justificável.

Um dia qualquer, porém, numa visita a uma fábrica na cidade de Aurora, um dos funcionários que nos acompanhava fez deboche dos 90% (?) de inflação mensal.

Perdi a paciência e com aquele meu inglês ruim e tudo parti para o sermão. Mais ou menos isto:

— Você conhece o Brasil? Você não quer saber do poderio de São Paulo? Você sabe que a VW emprega milhares de trabalhadores numa fábrica imensa? Você certamente sabe dos lucros que “nossa” empresa obtém no Brasil, com inflação e tudo, não sabe? Na verdade bem ou mal conseguimos conviver com a inflação e o país não vai parar por causa disso.

Depois dessa intervenção “estranhamente” ninguém mais tocou no tema “inflation”. 

Em junho de 1984 trabalhando para um pequeno sindicato patronal no interior de São Paulo me coube desvendar o Plano Real agora comemorando 30 anos de implantação. 

Quanto me debrucei na páginas dos jornais para entender a URV e depois, em julho, a introdução do Real algo inimaginável: R$1,00 igual a US1,00.

Não havia mais corrida aos supermercados — a inflação fora controlada. Nos ônibus, nas ruas, no trabalho a perplexidade e o sorriso fácil da vitória. O dólar "enquadrado".

Fernando Henrique Cardoso, que como ministros da Fazenda agarrou o pacote e saiu pelo país explicando seus efeitos salutares. E por isso, 30 anos depois, é reverenciado.

Depois de tantos valores sem ignorar as dificuldades éticas que o país sempre atravessou, me deparo com o bolsonarismo num quadro perverso da exaltação das mentiras deliberadas com o intuito de confundir os eleitores, a farsa descarada e a progressão evangélica que tomou conta, mais do que nunca, da mente de brasileiros humildes que acreditam nos seus pastores mas pagando o preço de um tributo chamado de dízimo.

Nunca pensei assistir um dia tanta distorção e tantos discursos sombrios.

Meu consolo é esse tempo que tive a felicidade de viver a presenciar e até participar. Que tempos!

Referências:

(*) GREVE DE 1978 NA SCANIA

(**) Livro Ernesto Geisel (Memórias)




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