domingo, 31 de março de 2013

31 DE MARÇO - 1° DE ABRIL: Dias do golpe contra João Goulart



Resolvi explanar de modo resumido sobre o golpe contra João Goulart em 1964 porque me parece que esse tema, que tem lá sua empolgação ainda não está de todo “resolvido”. Num recente documentário transmitido pelo Canal Discovery houve “apelos” para que o Brasil também libere arquivos sobre sua participação na “Operação Condor”, trágica, que foi aplicada contra os dissidentes que se opuseram aos regimes ditatoriais, na Argentina (daí “as mães da praça de Maio”), Bolívia, Paraguai e Chile.

A data precisa da deposição de João Goulart deu-se em 1° de abril de 1964 e não em 31 de março. Nesse dia precipitando o golpe, o Gal. Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora parte com suas tropas com destino ao Rio de Janeiro onde se encontrava João Goulart. 
Sem meios de reação, Jango parte para Brasília e no dia 1° de abril, deixa o governo, rumando para Porto Alegre.

Em 2 de abril, o presidente do Congresso Nacional, Auro de Moura Andrade declarou vaga a presidência da República, tomando posse o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazilli.

Bem, João Goulart desistiu da presidência e da resistência em 1° de abril e somente em 2 de abril foi formalizada a sua vacância.

E não se estranhe tal confusão de datas. O jornal “O Estado de São Paulo” de 02 de abril de 1964 num dos seus editoriais começa deste modo a sua análise:

“A grande vitória de ontem, conduzida pela mão segura do general Amauri Kruel a frente do II Exército, vem, como era inevitável, sendo interpretada das mais diversas maneiras. Para os que tendem a encarar os acontecimentos pelo seu lado superficial, ela surge como epílogo dos fatos que tiveram início na Semana Santa. Na realidade, porém, o significado do 1° de abril é muito mais profundo e complexo. Antes do mais, o triunfo alcançado está a dizer-nos que, finalmente, a democracia brasileira venceu a ditadura em cujas estruturas a nação vegetava.”

Em 1° de abril, a democracia brasileira venceu a ditadura... (!). Era uma vez o 1° de abril.
Mais tarde, o jornal, na "nova" democracia militar seria rigorosamente censurado.

Para trazer mais elementos “ao significado do 1° de abril, profundo e complexo”, mas sob a perspectiva da participação dos Estados Unidos no golpe, está em vias de estreia o documentário “Dia que durou 21 anos” de Camilo Tavares.
Na divulgação desse documentário são revelados novos documentos e informações obtidos nos arquivos americanos que ampliam a participação dos Estados Unidos no golpe.
Mas, se formos considerar indícios, eles são evidentes desde sempre. Na mesma edição do jornal “O Estado de São Paulo” de 02 de abril de 1964 num segundo editorial lá está assentado:

“Num recente documento, um relatório preparado para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes o próprio Departamento de Estado norte-americano reconheceu que o Brasil se transformou no cenário principal da guerra fria na América Latina. (...) Aconteceu isso graças à irresponsabilidade e a cumplicidade criminosa do Sr. João Goulart...”

E mais a frente:

“A penetração comunista assumiu tais proporções, que os caudatários de Moscou nem se deram mais ao luxo de tentar esconder ou refrear seu júbilo diante da certeza da vitória final chegando o sr. Luiz Carlos Prestes, o “gaulettier” (espécie de líder local) de Kruchev no Brasil a reconhecer publicamente que seu melhor aliado era justamente o sr. João Goulart e que os comunistas já estavam no governo, mas não ainda no poder.”

Sobre essa declaração de Prestes, a saudosa deputada Ivete Vargas quando inquerida sobre quem dominava o movimento sindical à época de Jango, se ele próprio, a sua oposição dentro do PTB ou do PC, sustentou:

“Olhem, era tudo tão confuso e contraditório a briga dentro do movimento sindical era tão grande, que é muito difícil saber. Dou-lhes um exemplo. Um dia chego em casa, ligo a televisão e vejo que Luiz Carlos Prestes estava dando uma entrevista. Como não estava com vontade de ouvi-lo, mudei de canal. Também ele transmitia a entrevista. Mudei para outro canal e a mesma coisa. Aí minha curiosidade cresceu, pois Luiz Carlos Prestes numa cadeia de televisão era um fato digno de registro. Foi quando ele disse que os comunistas ainda não estavam no poder, mas já estavam no governo. No intervalo, a minha surpresa cresceu, porque o programa era patrocinado pela Willys Overland. Como veem, o governo Jango é cheio de mistérios e contradições.” (1)

Para quem não se lembra, fora a Willys Overland uma automobilística americana, adquirida pela Ford mais tarde que não se esgueirara em pagar espaço para o comunista Luiz Carlos Prestes.

Era clara a conspiração em andamento.

Qual o receio, inclusive dos americanos com interesses contrariados por políticas de Jango? Que o Brasil se transformasse numa grande Cuba na América Latina? Um satélite da União Soviética? Um regime comunista tipo chinês de Mao Tsé-Tung que arrasava, então, a China?

Quais forças dariam apoio a tal empreitada se o exercito se mobilizava na conspiração contra João Goulart e seus aliados?

Por via de dúvidas, os Estados Unidos, ressabiados com a crise dos mísseis (com ogivas nucleares) em Cuba instalados pela União Soviética apontados para a Flórida, em 1962 já se movimentavam em encaminhar forças para o país objetivando garantir o ‘status quo’ de sua área de influência na América do Sul, máxime pelo tamanho do Brasil.

E Goulart, mesmo com a gravidade real da crise dos mísseis não apoiou a ameaça americana de invadir Cuba para desmontar esse aparato soviético, na iminência de um conflito nuclear.

Penso de modo severo que se um dia algum biógrafo com tempo fizesse uma biografia do velho comunista Prestes constataria que se trata de uma figura desastrosa na “história” do Brasil, uma vida atrasada, infeliz que será uma ofensa até compará-lo a Dom Quixote, o herói de Miguel de Cervantes y Saavedra. Aliás, dado a incentivar condenações em tribunais de exceção, o “cavaleiro da desesperança”.

Claro que as impressões do jornal refletem o momento em que se deu o golpe – e não há outra palavra para qualificar a “renúncia” de Jango – a conspiração corria solta e a esquerda com cegueira crônica não percebia o que se dava, não nos bastidores, mas às claras.


No que se refere ao movimento sindical e o grevismo havia perante as forças armadas um forte grau de intolerância tanto que, em comunicado, o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Castello Branco declararia ser uma ameaça “o desencadeamento em maior escala de agitações do ilegal poder do CGT.” [Comando Geral dos Trabalhadores].


Todas as agitações são conhecidas em especial a “Marcha da Família, com Deus pela Liberdade", havida em são Paulo no dia 19 de março protestando contras os rumos do governo, saindo da praça da República encerrando na praça da Sé. No trajeto a marcha foi sendo engrossada calculando que dela tenham participado 500 mil pessoas.



Meio fora da realidade, dissera Goulart sobre essa marcha: 

“Nas grandes passeatas os cartazes não eram dirigidos contra a pessoa do Presidente ou contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos visavam a atingir o sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da tomada do poder pelos comunistas”. (2).

O jornal “O Estado” fez menção à mão segura do general Amauri Kruel na deflagração do golpe. Todavia, na véspera do seu início, à noite, o mesmo Amauri Kruel, ligou para Goulart comunicando que a sua permanência no governo ficava condicionada a ações suas no sentido de dissolver o CGT, prender seus principais líderes e ações no mesmo sentido contra a UNE. (3).

Goulart, lembrando suas origens, sempre ligado aos trabalhadores, recusou-se a executar quaisquer dessas medidas. Mas, Goulart, a esses dirigentes, pedia moderação, não sendo ouvido: “discutir métodos sim, recuar jamais.”

Manteve os anéis mas não os dedos...

O que sobra desse período empolgante, ocorrido há 49 anos, são estudos e interpretações de toda ordem, mas o que parece claro é que, salvo a propaganda que dava a falsa impressão da iminência da ascensão comunista ao poder, havia um presidente democrata indeciso, mal interpretado e mal tolerado, prejudicado por parte dos seus aliados intransigentes e míopes quanto ao momento político que se vivia então.

Mas, os arquivos, livros e filmes estão por aí, disponíveis, para prosseguir na interpretação daqueles dias.

Referências:

(1) Perdi a referência onde publicada a entrevista de Ivete Vargas, salvo engano no jornal “O Estado de São Paulo”. Esse trecho, porém, está transcrito no meu livro “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”;
(2) Moniz Bandeira, obra citada na referência seguinte;
(3) Esse diálogo é citado nos livros de Moniz Bandeira (“O Governo João Goulart, As Lutas Sociais no Brasil (1961/1964”) e de Hércules Corrêa (“A Classe Operária e seu partido”). Quanto a este último, afirmou tê-lo ouvido, autorizado por Jango, numa extensão telefônica porque, naquele instante, se encontrava no Palácio das Laranjeiras.

Foto:

“Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo, repudiando o discurso de João Goulart de 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro quando anunciou as reformas de base, incluindo a reforma agrária.




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AOS INTERESSADOS NO TEMA VER / LER TAMBÉM ARTIGO CORRELATO: "JANGO: Vacilações e a deposição" DE 14.11.2013

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