segunda-feira, 1 de outubro de 2018

'DEFESA DO RESPEITO ÀS MINORIAS'



PERSONA - JORNAL DE PIRACICABA
30.09.2018


com MILTON MARTINS


Defesa do respeito às minorias’

Advogado do caso “muro do Santa Rita” fala sobre trabalho, sindicalismo e 
perspectivas para o Brasil























(Foto de Claudinho Coradini/JP)


Aos 74 anos de idade, o advogado Milton Martins é um homem cuja rapidez de 
raciocínio o leva a interromper o interlocutor para apressar perguntas, respostas ou 
análises. Sobe o tom de voz com tradicional sotaque paulistano para fazer as 
interferências argutas, que soam divertidas e não grosseiras, porque apresenta-se 
como um homem tranquilo, simpático, pacífico e bem-humorado. Tem posições 
firmes, que parecem, porém, partir de alguém que manifesta-se movido por 
convicções. Se é fato que as enfermidades são fabricadas pelas mentes humanas, 
Martins é um sujeito para o qual pode-se projetar vida longa. Ele ganhou 
notoriedade recentemente por representar 88 moradores em uma ação popular 
contra a Prefeitura de Piracicaba, na qual a Justiça deu ganho de causa aos 
reclamantes e determinou a derrubada dos muros que transformariam o bairro 
Santa Rita em um condomínio fechado. Antes, no entanto, já havia tido êxito em 
causa parecida, sendo o responsável pelo fato de 38 moradores do Colinas do 
Piracicaba, bairro transformado em condomínio fechado, terem sido isentados, 
desde 2007, do pagamento da taxa mensal. Advoga em outro caso semelhante em Piracicaba e define a atuação dele nesse tipo de ação como “defesa do respeito às minorias”.

Filho do industriário Dario e de Concília, do lar, Martins nasceu em São Paulo e é o caçula de três irmãos. Mudou-se para Piracicaba em 1985, para trabalhar na Caterpillar. “E digo uma coisa bem sincera: daqui não vou sair mais. Acho que Piracicaba é muito superior a São Caetano, onde passei minha juventude”. Vive no bairro Nova Piracicaba, ao lado da esposa, a professora Ana Rosa Pimentel Martins, com quem tem cinco filhos: Milton Pimentel Martins, 48, bacharel em Comunicação, professor universitário e funcionário público; Otávio Pimentel Martins, 47, engenheiro eletrônico e psicólogo; Gisele Pimentel Martins, 46, bacharel em Direito e professora de literatura; Silvio Pimentel Martins, 44, geógrafo e funcionário público federal; Eduardo Pimentel Martins, 41, bacharel em Direito, graduado em Biologia e bancário.
Avô de Susana, Caio, Vinicius, Lucah, Yarin, Sofie, Heitor e Lya, Milton Martins é graduado em Direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Participou de “um monte de cursos e congressos, inclusive no exterior” e atualmente tem como hobby escrever resenhas de livros em seu escritório, do qual é possível ouvir o canto das sabiás que frequentam as árvores frondosas da bucólica rua em que fica a casa. Rua curta, de uma quadra e sem saída, que alguns vizinhos pensaram em fechar tempos atrás. “Não o fizeram muito por minha causa”, contou, revelando fazer da conduta prática exemplo didático a uma tese para a qual advoga.

O senhor veio para Piracicaba para trabalhar na Caterpillar, em qual área, exatamente?

Minha origem como advogado é no Direito do Trabalho. Vim para a Caterpillar como assessor jurídico trabalhista. Depois fui gerente de Recursos Humanos. Vou dizer uma coisa aqui que já escrevi para a ouvidoria do Tribunal: hoje estranho muito a maneira como o Tribunal está julgando. Chamam todos os advogados, de tudo quanto é lugar, para fazer audiência de conciliação em Campinas. É uma despesa adicional e, às vezes, é para tentar fazer acordo de uma sentença que transitou em julgado. Isto é, ao invés de execução, tenta-se fazer conciliação. Mas no cível eu me dou melhor. Tanto que foi o que o trouxe aqui [à entrevista].

O senhor ganhou notoriedade na defesa de uma causa que se estendeu por uma década, teve grande repercussão e agora a Justiça deu ganho de causa em todas as instâncias aos seus clientes, determinando a derrubada do muro do Santa Rita. Como o senhor resume esta questão?

Antes, em 2004, umas 20 pessoas entraram com Ação Declaratória contra o fechamento do Colinas do Piracicaba. Pessoas muito emocionadas, muito preocupadas, porque naquele bairro começou a ter muita restrição de entrada e o tratamento dado aos que não queriam pagar era truculento. Eles foram procurar os direitos. Um desses moradores me procurou e foi feita uma ação em uma época na qual o Tribunal de Justiça de São Paulo não dava nada a favor dos moradores que não queriam pagar. O que aconteceu no meu processo é que todo mundo parava no TJ e eu fui ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não vou dizer que fui o grande responsável por mudar a jurisprudência, mas nós ajudamos a mudar jurisprudência. Tem 38 moradores do Colinas que não pagam condomínio por causa dessa ação. Daí veio a Ação Popular do Santa Rita, que não é um bairro que você possa dizer que será fechado integralmente, porque tem divisas do lado de rios, tem canavial ao fundo. Nada ali pode ser fechado integralmente. Foi ação difícil, muito complicada e nós começamos a ganhar. Chegou um ponto de ir parar no STF (Supremo Tribunal Federal). A prefeitura não cumpriu a legislação que deveria, a associação (de Moradores do Santa Rita) também não cumpriu. Conseguimos a liminar. Vou dizer modo categórico: os muros foram um negócio improvisado, um desastre. E o pior de tudo foi o que fizeram na avenida Concepcionistas. Aquilo não tem cabimento. O muro termina e tem uma subida para pedestres ao lado. Isso é um absurdo. Prejudicou o pessoal do Santa Rita Avencas. Eles (da Associação de Moradores do Santa Rita) estão me criticando lá, mas precisam entender que aquilo foi um desastre.

O senhor é contra condomínio fechado?

Não. Se o condomínio nasce fechado, não tenho objeção. Os casos em que atuo são casos em que os moradores moram no bairro há 30 anos e me procuram indignados pelo fato de que terão de pagar para morar. Minha atuação é em defesa do respeito a minorias. Porque a coisa era na base do “vá procurar seus direitos”. Teve gente que chorou no meu escritório. Tentaram fechar a rua que moro aqui [na Nova Piracicaba] e não deu certo por minha causa, de certo modo.

No caso do Santa Rita, ao defender a minoria do trecho que seria fechado, o senhor acabou por defender a maioria, que são os moradores do entorno que tiveram suas rotinas afetadas pelo muro?

Sim, porque no Avencas estavam todos reclamando. Quando os muros foram feitos, aquilo virou beco. Entrava CPFL, um poste estava fora, o outro estava dentro, entrava uma ambulância e não achava as ruas, por causa dos muros. Foi desastroso! Tem outra ação bem parecida com essa em andamento. A prefeitura é muito descuidada. Ela está preocupada em fechar o bairro e se eximir dos serviços. Nesta outra ação, o que aconteceu: a diretoria nem tem mandato e a prefeitura que também não cumpriu com tudo que tinha que cumprir, fez o processo administrativo rolar normal e publicou o decreto, com um monte de irregularidades. A prefeitura está fazendo as coisas desencontradas. Tem isenção de três salários mínimos, mas lá tem gente que ganha cinco e não pode pagar. O morador já está idoso e recebe a informação que tem que pagar. O que é isso? Atribuir à associação o direito de tributar?! A prefeitura dá desconto [nos impostos]? Nenhum. Muito pelo contrário. Ela transfere para os moradores o serviço.

O que o senhor achou da mudança na legislação trabalhista, principalmente no que diz respeito ao ponto que faz o funcionário ter de pensar muito antes de acionar a empresa porque, se perder ou o juiz entender que houve má-fé, o empregado pode ter uma despesa altíssima?

Olha, eu acho que está um pouco exacerbado. Mas vou te dar um exemplo: fui advogado de uma empresa pequena de Piracicaba, que tinha negócios em Vitória, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Para evitar problemas nessas praças, ela pagava tudo. Sabe o que é tudo? E o pessoal entrava com uma reclamatória, pedindo R$ 20 mil reais. Aí o empresário me falava: Milton, mas eu paguei tudo e o cara quer R$ 20 mil?! Tínhamos que ir lá e, na primeira audiência, fazer acordo de R$ 2 mil para não ter que voltar. Foram praticados abusos. Então, acho que a legislação não é ruim. Ela é boa, no geral. Quer ver um outro exemplo, porque eu escrevi um livro sobre sindicalismo. A contribuição sindical é uma briga que vem da década de 1950. Isso sustentou um monte de mordomia de sindicalista até agora. Agora parou e houve um impacto muito grande. Mas a contribuição sindical é outra coisa que não poderia continuar.

O livro que o senhor escreveu é crítico ao sindicalismo?

Esse livro (Sindicalismo e Relações Trabalhistas) poderia ter sido minha obra-prima. Nasceu na GM de São Caetano, quando atendia o sindicato. No meu tempo, o sindicato era atendido lá na portaria. Eu que ia atender. Comecei a me interessar pelo sindicalismo. Peguei a greve de 1978, na qual surgiu o Lula. Conheço o Lula antes de tudo isso, quando ele era diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Depois acompanhei todas as outras greves e ali nasceu este livro, que é histórico, inclusive. Publiquei quatro edições (a 1ª foi lançada em 1985 e a 4ª em 1985). Amigos que ministravam cursos em São Paulo adotaram o livro. É um livro histórico, técnico e é instrutivo. Dá lições sobre negociações coletivas. Conta também minhas experiência nos Estados Unidos. Recebi também um material do consulado da Alemanha.

E qual a avaliação que o senhor faz do sindicalismo praticado no Brasil em comparação ao que viu no exterior?

É muito sindicato. Muita mordomia. Há tempos, escrevi um artigo para o Jornal de Piracicaba sobre o Primeiro de Maio. Critiquei a contribuição sindical. Disse que a única coisa que a contribuição proporcionava aos sindicatos, além da mordomia deles [diretores], era a geração de empregos. Bem ou mal, geravam empregos para caramba. Agora ouvi dizer que diminuiu porque caiu a receita. Teve uma época em que fui empolgado com o sindicalismo, depois cansou, houve abuso, aí entrou a questão política.

O senhor não acha que os brasileiros parecem pensar por extremos. Tínhamos uma situação que favorecia muito sindicatos, entidades de classe. Aí o povo parece ter pego aversão e aí resolve defender o extremo oposto, um liberalismo total. Vemos a própria classe trabalhadora defender a redução dos seus direitos, defender o fim de sindicatos. O senhor não acha isso perigoso, uma vez que, desunidos, os trabalhadores perdem muito o poder de negociação?

O liberalismo como “ideologia” não significa o lucro e a exploração aos menos favorecidos, mas a liberdade de ação dentro da lei e da ordem, respeitando os interesses sociais e da população. O êxito da atividade industrial significa o fortalecimento da economia e, com o fortalecimento da economia, os empregos e o bem-estar social possível ou até superior. O liberalismo exacerbado tem uma tendência de preservar o ser humano. Não é só lucro, lucro, lucro. Se não tiver o ser humano para comparar, não funciona. É a lei do pêndulo. Vivemos uma experiência com o esquerdismo que não deu certo.

O senhor acha que nós vivemos um esquerdismo ou um populismo?

Conceitua-se o PT como populista e realmente assim se comportou principalmente pelo seu líder máximo, o Lula, que se tornou uma figura pública nacional após negociar acordo representando os grevistas com as automobilísticas nas greves de 1978. Populismo significa, entre tantas outras definições, atitudes políticas de líder carismático que promete muito, realiza pouco e explica que mais não fez até por culpa de adversários, e garante que aquilo que foi feito foram medidas importantes. Agora, o populismo não autoriza a corrupção, como se deu de modo exacerbado nestes últimos anos. Junto com o populismo, veio o esquerdismo universalizado com Foro de São Paulo, o financiamento brasileiro a países como Cuba, Venezuela, Nicarágua. O Brasil assumiu, sim, uma posição esquerdista. E digo para você que o esquerdismo no Brasil foi tão ruim que houve corrupção grossa. Poderiam ter mudado o país pela esquerda, mas deu no que deu. Foi um esquerdismo irresponsável.

Como o senhor avalia o momento político atravessado pelo Brasil hoje. Já vivenciou crise parecida?

Nunca vi momento mais conturbado nos últimos 40 anos. Esse estado de gravidade não ocorreu nem nos tempos do Sarney, um incidente político infeliz para o país, com 80% de inflação. E na classe média, principalmente do Sudeste, me parece que há oposição à ideologia de gênero. Concentrando em tudo o que tiver de excessos na área sexual. Isso tudo, para mim, afeta o quadro eleitoral e o Bolsonaro cai exatamente nessa questão. Está uma confusão. Ninguém sabe exatamente qual caminho seguir. Alguns defendendo o Lulismo, outros abominando o Lulismo. É um quadro que eu nunca vi igual. Do ponto de vista ideológico, nunca vi igual.

Qual a perspectiva que o senhor tem para o Brasil?

Se o PT ganhar, esse quadro esquisito vai continuar. Talvez eles não façam mais as falcatruas que fizeram, os desvios de valores como aconteceu na Petrobras. Talvez sejam um pouco mais ajuizados, mas não muda o quadro que está aí. Se for o Bolsonaro ganhar, será uma incógnita. Não pense que ele vai chegar lá e fazer tudo o que está dizendo, não. Tem o Congresso Nacional. Ele não vai conseguir dar golpe. E não vai conseguir, porque o golpe não seria nem aceito no exterior. Os militares já disseram que não encampam. Ele vai ter que governar com o Congresso Nacional. A coisa não vai ser tão dramática. Temos o Congresso, o Supremo, que tem uma parte de esquerdista. Tem todos esses ingredientes. Ele vai ter que respeitar o Congresso. Decreto Lei era no tempo dos militares.

Dizem que quem não compõe com o Centrão antes tem que compor depois, não é?

Não é mentira. O que pode ocorrer com o Centrão é não ser tão descarado como foi no tempo do PT. Tempo do “toma lá, dá cá”. Escrevi no Jornal de Piracicaba em 2006. O Brasil se chamou Estados Unidos do Brasil até 1966. Os Estados Unidos têm 100 milhões de habitantes a mais e um pouco mais de senadores que aqui. Se fizermos a proporção, o Brasil deveria ter 300 deputados e 57 senadores. Temos muito coisa para fazer nesse Brasil e não sei se a sua geração [do repórter] vai assistir.

O senhor tem esperança de o Brasil mudar de patamar de ser o país do futuro que a geração do senhor cresceu ouvindo que seria?

Na década de 1960, tínhamos ganho duas Copas do Mundo, tínhamos a Bossa Nova, a construção recente de Brasília, a indústria automobilística. Parecia que seríamos realmente o país do futuro. Agora, temos o Brasil que continua esperando. Quem sabe uma mudança à direita seja uma maneira diferente de se enxergar. Talvez quando você estiver com 60 anos [o repórter tem 41], esse pessoal crie juízo [risos].

O que pensa sobre a terceirização, que agora foi aprovada de forma irrestrita?

Você pode terceirizar tudo, mas tem que escolher uma empresa que tenha idoneidade, porque se a empresa que você contratou não pagar recai para você. Não mudou nada. Pela lei, diz que tem que pagar o mesmo salário da empresa. O que a empresa contratante faz é se livrar de pepinos e do ponto de vista contábil deve ser melhor. Paga uma fatura e pronto.

Conte um pouco sobre o seu hobby pela leitura, que resultou em um blog com resenhas literárias.

No meu blog (resenhadoslivrosqueli.blogspot.com) já resenhei 50 livros. Estou trabalhando agora na de Os Sertões, de Euclides da Cunha, que estou acabando de reler e refazer a resenha. É um livro que todos falam que leram, mas poucos leram realmente. Eu escrevi também um livro que mistura uma parte autobiográfica com romance, chamado Joana Dart. Estou escrevendo outro que chama Pordo. O nome vem de Leopoldo, que foi uma pessoa real, um pobrezinho. Joana d'Art também se dá na favela, na cadeia feminina, que na época era em Charqueada. Foi um livro que me deu bastante prazer também.

(Rodrigo Guadagnim )










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