domingo, 26 de setembro de 2010

O IMPASSE DA LEI DA “FICHA LIMPA”

Sem solução no STF até agora se aplicável nestas eleições a Lei da “Ficha Limpa”; a decisão pode ser adiada sem data se se confirmar a desistência de Joaquim Roriz ao seu recurso. Dúvidas se houve realmente alteração no processo eleitoral com a nova lei.

Há neste País um sentimento de impunidade. Esse sentimento se revela até mesmo entre pessoas mais humildes que se escandalizam à sua maneira com os abusos descobertos que os administradores públicos e os políticos praticam no desempenho de suas funções públicas.

Ao longo dos anos nas campanhas eleitorais, muitos políticos condenados e desonestos voltavam pedindo votos aos eleitores desavisados, muitos se reelegendo seguidamente confiando na memória curta do brasileiro.

Esse estado de coisas começou a ter vislumbres de mudança com a meritória iniciativa popular que por meio de pedido suportado por milhares e milhares de assinaturas impuseram um projeto de lei cujo objetivo era o de coibir esses abusos e, como decorrência, afastar da vida pública os políticos desonestos.

Essa iniciativa popular resultou na Lei Complementar 135 de 04.06.2010 que no seu enunciado informava que, alterando a Lei Complementar n° 64/1990 incluía “hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.”

Probidade e moralidade administrativa...

Havia nesse enunciado, forte vinculação com o artigo 37 da Constituição Federal que exatamente preconiza o modo como deve se comportar a administração pública seja ela direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios qual seja o de obedecer “aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”

Nesse diapasão, a LC n° 135 de modo expresso preenche um flanco aberto na legislação eleitoral, exatamente para obter a moralidade eleitoral, afastando candidatos com condenações judiciais.

Mas, as coisas não têm essa simplicidade.

Na Câmara, o projeto aprovado tinha dispositivo fundamental afastando todos aqueles candidatos que já tivessem sido condenados em segunda instância. Ora, com tal redação, haveria um forte apelo para que políticos nessas condições fossem alijados do pleito.

Mas, no Senado essa redação foi alterada para o futuro do subjuntivo, a saber: “os que forem condenados...”

Essa redação exclui, em tese, da inelegibilidade todos os políticos já condenados. A lei, então, teria efeito apenas para o futuro, para as próximas eleições.

Mas, o Tribunal Superior Eleitoral, considerou-a válida para o pleito de 3 de outubro porque ela fora promulgada antes das convenções partidárias o que significa que todos os partidos conheciam as novas regras eleitorais incluindo as inelegibilidades expressadas na LC n° 135/2010.

A partir daí, mesmo com seu saudável alcance de expurgar os maus políticos já nestas eleições, candidatos afetados pela Lei e juristas passaram a questionar a sua constitucionalidade e a sua retroatividade.

E nessa linha, o candidato ao governo de Brasília, Joaquim Roriz, impedido à luz da nova Lei em se candidatar, por ter renunciado ao mandato de senador em 2007 para fugir do processo de cassação, uma das condutas consideradas causa de inelegibilidade, ingressou com recurso no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade da Lei. O Tribunal reconheceu que tal recurso continha tema de “repercussão geral”.

A constitucionalidade da Lei foi confirmada pelo Supremo, mas os debates se estenderam no que se refere à aplicação do artigo 16 da Constituição, com a redação seguinte:

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Contendo o STF dez ministros, pela aposentadoria recente do ministro Eros Grau, cinco Ministro votaram pela aplicação imediata da Lei, seguindo a tese de que não modificara ela o processo eleitoral, mas apenas ampliara o rol das inelegibilidades e cinco ministros votaram pela sua inaplicabilidade considerando a redação do artigo 16 supra transcrito que inadmite, como se lê, a aplicação de lei que modifica o processo eleitoral a menos de um ano das eleições.

Teria havido, mesmo, alteração no processo eleitoral?

Impasse instalado, o julgamento foi suspenso e não se tem, ainda, uma decisão efetiva do STF sobre a aplicação ou não da LC n° 135 nestas eleições. O Tribunal deve se reunir nos próximos dias para, segundo notícias, tentar uma saída para o impasse.

Isso se tudo não voltar à estaca zero, com a extinção do processo com a desistência de Joaquim Roriz ao seu recurso, como vem sendo noticiado.

Nesse efetivo imbróglio, a Lei está vigorando plenamente, mas se constata realmente que há pendência relevante do ponto de vista constitucional que precisa ser resolvida.

Enquanto tal não se dá, as campanhas dos candidatos inelegíveis segundo as novas determinações prosseguem. Se o STF julgar nesta semana essas questões confirmando a aplicabilidade da Lei ficam alijados esses candidatos sem ficha limpa. Se depois, podem perder o mandato.

Imaginem um País com este tamanho estar diante de impasse com essa grandeza, com as eleições às portas, confundindo os eleitores que de um modo geral não entendem bem o que se passa nesse debate tão técnico e, ao mesmo tempo, assim desgastante.

O nome do presidente Lula foi lembrado no julgamento, porque tivera tempo de nomear novo ministro para substituir aquele aposentado e não o fez.

E com tudo isso, a “moralidade” pode ser adiada para as próximas eleições, sendo eleitos diversos políticos que deveriam há muito ter sido alijados da vida pública.

Mas, é de se reconhecer que mesmo aos “trancos e barrancos” as coisas estão mudando.

2 comentários:

  1. Caro Milton,

    no cenário pantanoso de eleições pasteurizadas e vazias de conteúdo, sua análise desse fato é impecável. Resta saber qual ministro terá coragem suficiente, de voltar ao pregão, de declarar a inconstitucionalidade formal da Lei da Ficha Limpa.

    Como na fábula dos ratos, quem botará o sininho no pescoço do gato?

    Forte abraço.

    ResponderExcluir
  2. Caro Caio
    A matéria é longa tais as idas e vindas da Lei da "ficha limpa", podendo produzir interpretação não de todo correta. Mas, a Lei foi considerada constitucional pelo STF. A questão toda está ou não na aplicação dela nesta eleição. O art. 16 da CF veda mudar o processo eleitoral um ano antes das eleições. Mas, a lei da "ficha limpa", mudou, MESMO, o processo eleitoral? Essa a questão central do debate. Vamos ver o que vai dar o imbroglio. Abraço. Milton Martins

    ResponderExcluir