A “Comissão
Nacional da Verdade” foi instalada. Fala-se muito no não revanchismo,
cumprimento da Lei da Anistia, mas...
NOTA A
PROPÓSITO DESTE ARTIGO
Se tem alguém que criticou
todas essas inciativas de instituição de comissão da verdade, tentativas de revisão
da lei da anistia, demagogia com direitos humanos num País que em inúmeros
setores não os pratica, neste fórum, fui eu. Em diversos artigos defendi que
havia muito se atingira o limite, pelo tempo transcorrido, em revolver essas
questões das violações nos tempos da ditadura. Num desses artigos indagara a quem
pretendiam atingir esses adeptos da “verdade histórica”, por certo aqueles agentes
envelhecidos e, quem sabe, resignados por seus atos brutais, no caso os
torturadores. Agora, querer reconstituir a história real apurando-se só um lado
dos eventos a lamentar daqueles idos é não reconstituir coisa nenhuma. É uma
ofensa à inteligência mediana. E se fala em não revanchismo! Aliás, já
proclamara eu que estando abertos os arquivos da repressão que cuidassem os historiadores
e interessados em encontrar neles os fatos e explicações que, bom que se diga, sejam
eles quais forem, não surpreenderão.
Reconheço, porém, que há um lapso no que
se refere aos desaparecidos. Mas, para estes, não seria necessária uma Comissão
da Verdade para as devidas apurações.
Por isso, essa comissão da verdade é
importuna, inoportuna e extemporânea até porque retornará a 1946!
Naqueles
tempos militares, da ditadura, estudava na PUC de São Paulo e ouvi muita coisa.
De um lado,
atos insensatos dos vários grupos organizados de esquerda e suas ações
provocativas e violentas, fazendo vítimas, que se opunham ao regime militar. E
de outro, com detalhes tenebrosos, o que se passava nos porões da repressão, na
prática de tortura da qual foram vítimas de extrema violência muitos que pouco
tinham a informar aos torturadores truculentos. A foto tão forjada quão terrível de
Vladimir Herzog.
Há, ainda,
os desaparecidos aqueles que se engajaram ou não nesses grupos, que praticaram
ou não atos beirando o terror e que foram tratados sem condescendência.
Tudo isso
se sabe, mas quanto a mim não posso ignorar os atos violentos de provocação que
resultaram nessa reação repressiva exacerbada, porém.
Nesse
quadro tenho refletido muito se todos aqueles atos não eriçaram a linha dura, a
alimentaram, para endurecer o regime como, aliás, se deu e, para manterem o ‘status
quo’ – porque todos os que pensassem fora da cartilha, eram “comunistas”,
subversivos – praticaram aquelas violações.
Com essas
indagações é que me deparei com a Lei n° 12.528 de 18 de novembro de 2011 que
instituiu a Comissão Nacional da Verdade.
No seu
contexto, permite ela que se conclua que as violações sejam apenas dos agentes
do Estado. Mas, essa “conclusão” pode ter alguma distorção. Com efeito, o
artigo 1° generaliza “as graves violações de direitos humanos” que poderiam se
referir a todos os que as praticaram:
1o . É
criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão
Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves
violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à
memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
(O artigo
8° do ADCT citado começa com o enunciado seguinte: “É concedida anistia
aos que, no período de 18/09/46 até a data da promulgação da Constituição,
foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos
de exceção, institucionais ou complementares...”).
Ponto que chama a
atenção na Lei n° 12528 é o que veda a participação daqueles que não tenham
condições de atuar com imparcialidade “no exercício da competência da
Comissão.” (art. 2°, §1° - II)
Para mim, esse
dispositivo se constitui (ia) numa garantia ao não revanchismo.
Antes da instalação
da Comissão que se deu no último dia 16 de maio, o ministro do STJ, Gilson Dipp
proclamou à imprensa
“Acho que a
sociedade como um todo vai absorver o sentido da lei, que é resgatar a memória
nacional, trazendo à tona violações graves dos direitos humanos, reconstruindo
a história e fazendo a pacificação nacional".
E mais:
"É a procura de uma reconciliação nacional, doa a quem doer".
(1)
O “doa a quem doer” parecia não excluir os atos dos grupos que
afrontaram a ditadura e praticaram seus desatinos.
A nota do antirrevanchismo foi enfatizada por Fernando H. Cardoso em
entrevista ao jornal espanhol “El País”:
El
País: O senhor foi vítima de uma ditadura militar que o manteve no exílio. Acredita
que a Comissão da Verdade recém-instaurada no Brasil deve ter um alcance
limitado ou deveria ir mais longe e julgar os responsáveis?
FHC: Aqui a transição foi mais parecida com a espanhola, mais lenta, sem a sensação de que houve vencedores e perdedores. Existe uma Lei de Anistia. Creio que a decisão da presidente Dilma de criar uma comissão que não seja revanchista é adequada. (2)
FHC: Aqui a transição foi mais parecida com a espanhola, mais lenta, sem a sensação de que houve vencedores e perdedores. Existe uma Lei de Anistia. Creio que a decisão da presidente Dilma de criar uma comissão que não seja revanchista é adequada. (2)
Que não seja revanchista. Há a Lei da Anistia!
Mas, foi Paulo Sérgio Pinheiro, quem deu o tom, pelo menos o seu
conceito como membro da Comissão:
“Como
já disse, a moldura do trabalho da comissão é o que está na lei. E ali não há
polêmica, controvérsia, vingança, nem dois lados. O único lado é o das vítimas,
as pessoas que sofreram violações de direitos humanos. Onde houver registro de
vítimas de violações praticadas por agentes do Estado a comissão irá atuar.
Nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de
representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas. Isso não existe.
Você compõe uma comissão capaz de exercer o trabalho com objetividade e
imparcialidade. Acho que todos os membros escolhidos para a comissão, os meus
seis colegas, têm uma vida pública em torno desse compromisso com a verdade.
Não vamos entrar nesse Fla-Flu de bater boca com críticos da comissão. Ela tem
que praticar um obsequioso silêncio e trabalhar.”
(3)
“Não tem essa bobagem dos dois lados”. E, no entanto, haverá o
compromisso com a...verdade!
Com tal postura, difícil não se dar algo próximo ao revanchismo.
Muitas vítimas da repressão alcançaram altos escalões na
Administração Pública. Qual a participação desses e de tantos outros naqueles atos de, digamos,
resistência?
Vou situar a questão com o que ocorre na Colômbia que, aliás, foi
sacudida, no dia 15/05 por um atentado terrorista violento atribuído às FARC.
É sabido que o governo colombiano ao longo dos anos vem combatendo
com veemência esses rebeldes que praticam atos de violência e sequestros.
Fazendo futurologia: daqui a uma década todos esses hoje “revolucionários”
se tornam altos mandatários do governo colombiano.
O tempo cria cortinas de esquecimento. Os ex-membros das FARC exigem,
então, a verdade da repressão do Estado, os ataques aéreos em suas bases na
selva. Imaginaram, nesse quadro hipotético, omitir “da verdade”, os seus
próprios atos e apurar todos os do Estado?
Afinal, “não tem essa de bobagem dos dois lados”.
Claro que nessas lucubrações chego a extremos.
Mas, é por esse extremos que acho que itens de causa e efeito das ações desses grupos armandos devem ser apurados pela Comissão da Verdade.
Sem revachismos, “doa a quem doer”. Não só o silêncio nos trabalhos, mas
a imparcialidade.
Mas isso, não exclui saber a extensão dos atos repressivos que
resultaram em mortos e desaparecidos. E tudo o mais. Como se diz e repete: reconstituir a história como ela se deu.
As exacerbações? Tudo a lamentar!
Legendas:
(1) Jornal “O Estado de São
Paulo” de 12.05.2012
(2) Jornal “El País” de 15.05.2012
(3) Jornal “O Estado de São Paulo” de 15.05.2012
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