quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

QUE PAIS É ESTE? Bebedeira pelo sim, bebedeira pelo não...



O Ministro da Justiça vem promovendo gestões para endurecer o CTN nos dispositivos que tratam das punições aos motoristas alcoolizados. Em outra via, gestões para liberar a bebida alcoólica nos estádios a qualquer tempo independente da Copa...A insensatez.






Sobre o consumo alcoólico já escrevi até demais. Pelo título se apreende o tema como tratado nos respectivos artigos: “Bebida alcoólica, forte apelo publicitário” (27.06.2010), “A Terra da cerveja: beba, beba muito, mas “com” moderação” (06.03.2011).

A par da avalancha publicitária pró-cerveja, num outro extremo, motoristas bêbados, cada vez em maior número tornam-se homicidas com seus veículos.

Ai, na tese do crime doloso, o Supremo Tribunal Federal, numa daquelas decisões que não se aceita, impondo a tese da tese, entendeu que o crime era culposo, porque o embriagado pelo álcool, ao assumir a direção do veículo, não tivera intenção da matar mesmo que nos seus delírios alcoólicos – e isso se constatou em inúmeros casos – soubesse do risco que assumia, até da sua própria vida.

No artigo que escrevi sobre essa decisão, de 18.09.2011, “Nova decisão polêmica do STF (Crime culposo nos homicídios por motoristas alcoolizados)”, demonstrei minha estranheza total por tal decisão, subjetiva ao considerar tais crimes culposos - sem intenção de matar - motivo pelo qual, na espécie, chegara mesmo a “desenterrar” um velho chavão que há muito se utilizou nestas plagas: “não faça do seu carro uma arma.”

E nessa linha, fiz a seguinte ilação: imagine-se um sujeito embriagado que do alto do seu apartamento, se apossa de uma arma de fogo e passa a disparar de sua janela. Não satisfeito com os fogos que atira para cima, resolve atirar para baixo e acerta um transeunte que vem a falecer: segundo a decisão do STF, por analogia, também esse crime seria culposo porque o bêbado ao atirar não tinha intenção de matar...porque bêbado!

E depois dessa decisão, creio que muitos policiais estupefatos, ao constatar o crime praticado por motoristas embriagados, alto e bom som classificavam – e classificam – o crime como “doloso” – no qual correu o risco de matar.

Se depois a matéria voltar ao STF para os desclassificar como doloso, ou outros Tribunais, é uma questão a ser enfrentada.

Doloso, sim, desconsiderando-se a “tese da tese”, floreada, mas ilegítima para estes tempos de forte apelo alcoólico como seduzem insistentemente os meios de comunicação, fortalecido por nomes do meio artístico que não rejeitam sua parte econômica nas peças publicitárias, mesmo que dela não necessitem.

Rememoro tudo isso porque estou, agora, num momento de pura perplexidade.

Com efeito.

Num mesmo jornal, leio que o Ministro da Justiça vem promovendo gestões perante o Congresso Nacional para tornar mais rigorosa a denominada “lei seca” (Lei n° 11.705/2008), que fez alterações no Código Tributário Nacional. (1)

Pretende o Ministro José Eduardo Cardoso dobrar o valor das multas, suspender a habilitação do alcoólico por dois anos e a constatação da embriaguez não apenas pelo teste do bafômetro, que pode ser recusado pelo transgressor – mas quaisquer meios idôneos. E nesse passo, diz o Ministro: “Não é possível que as coisas continuem assim. Hoje, ou você submete o sujeito ao teste do bafômetro, ou ninguém é condenado, mesmo que cometa crimes bárbaros sob efeito de álcool ao volante.” (2)

As medidas são importantes e, claro, por indignação popular promover mudança na legislação penal de maneira a qualificar esses crimes como “dolosos”.

Mas, no mesmo jornal, no mesmo dia, no caderno esportivo, em manchete, é anunciado que “bebida será liberada em todos os estádios do País”. E a notícia começa assim:

“Relator da Lei Geral da Copa, projeto de lei em tramitação na Câmara, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) disse ontem ter acertado a volta das bebidas alcoólicas permanentemente aos estádios de futebol no País. A brecha seria aberta a partir da aprovação da norma. Segundo o parlamentar, a liberação foi combinada com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), e o diretor de seleções da CBF e ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, em reunião na semana passada, em Brasília. Mas ainda precisa passar no Congresso Nacional.
” (3)

Bem, estabeleçamos que as duas leis sejam aprovadas. Eis formada a confusão total: dentro dos estádios, torcidas fanáticas e ferozes, alcoolizadas se digladiam, invadem gramado, avançam sobre jogadores e tudo o mais injurioso que temos assistido sempre.

Enquanto isso, do lado de fora, policiais esperam os motoristas que, alcoolizados, acionam seus carros: alcoolismo notório, com ou sem bafômetro. Como será resolvido o tumulto que se instalará? Se uma lei foi cumprida, facilitando a bebedeira dentro do estádio, a outra haverá, e com maior rigor, que ser também cumprida para exatamente, coibir a bebedeira ao volante.

Esse é quadro da insensatez que este país desenha. Aliás, insensatez rima com estupidez.

Curioso que o Ministro Aldo Rebelo se assume em nova polêmica, porque sobre a lei da bebedeira nos estádios, diz que vai “fazer um apelo ao líder do governo para que seja (aprovada) até o fim de março.”

A outra polêmica refere-se ao seu projeto do Código Florestal desastroso ao meio ambiente.

Definitivamente Rabelo não se identifica pela coerência, salvo a de ser palmeirense. Quanto a Andrés Sanchez, nessa da liberação alcoólica nos estádios, estaria sendo pressionado pela Gaviões?

Afinal, que lobby é esse?

Legendas:
(1) A Lei n° 11.705/2008, que modificou o Código de Trânsito Brasileiro, proibe aos motoristas o consumo de bebida alcoólica sob qualquer concentração (art. 276) e se envolvido em acidente de trânsito “ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.” (artigo 277). O artigo 165 do CTN estabelece as penalidades ao motorista alcoolizado, considerando infração gravíssima, fixando penalidades: multa elevada, suspensão do direito de dirigir por 12 meses, retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

(2) Jornal “O Estado de São Paulo” de 31.01.2012.

(3) Jornal “O Estado de São Paulo” de 31.01.2012 (Caderno Esportes). A notícia prossegue nestes termos:“O Estatuto do Torcedor, que rege as regras dentro dos estádios brasileiros, ficaria alterado a partir da sanção da Lei Geral da Copa. Cândido e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), confirmaram que acreditam na aprovação no mês de março. "Aprovando na Câmara, no Senado é tranquilo, basta uma ou duas audiências'', diz Cândido. "Vou fazer um apelo ao líder do governo para que seja até o fim de março'', acrescentou Rebelo.”


Artes de João Werner: “Descendo cerveja” e "Boteco"

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