domingo, 4 de abril de 2010

CORRUPÇÃO: O PAÍS DO “SUPOSTO”

17/02/2010


Não há escândalo de corrupção, com situações escancaradas que a imprensa de um modo geral não qualifica de “suposto”, mesmo com filmagens de recebimento de propina e de desculpas esfarrapadas dos indiciados. A palavra tornou-se espécie de cacoete na imprensa


No Aurélio, a palavra “suposto”, como adjetivo tem alguns significados: os sinônimos que iniciam a lista são dois: hipotético e fictício.

A imprensa, naquela sua lida de não se comprometer em afirmar o que pode não se caracterizar como verdade, usa e abusa da palavra suposto/a, mesmo com as evidências saindo pelo ladrão, pela contundência de imagens e indícios incriminadores.

Comecemos com Lula, no denominado “escândalo do DEM de Brasília”: num primeiro momento, com todos aqueles politicoides recebendo propina e descaradamente escondendo os maços de dinheiro onde desse, meias, cuecas, bolsas e o próprio governador Arruda embolsando uma importância numa sacola, imagens insistentemente repetidas pela televisão, dissera que elas “não diziam por si”.

No momento em que foi preso Arruda, Lula sugeriu à Polícia Federal que se mantivesse discreta no evento, não expusesse o governador, porque ninguém estava feliz com aquele desfecho. Seria Arruda uma “otoridade”?

Depois, com a constatação cabal do “cachorro morto”, passou a chutá-lo.

Entre esses dois primeiros momentos, fiquei extremamente preocupado, porque se as imagens não diziam por si, seriam “supostas imagens”; e no segundo, quando a prisão foi decretada numa decisão natural do STJ para um sujeito tão debochado como Arruda ("perdoava" os que o detratavam, porque esperava o perdão de seus erros – foi demais, foi demais!) obrigou-me a fazer dolorosa ilação: estaria Lula preocupado com os futuros desdobramentos que poderiam decorrer do mensalão do PT que tramita pelo Supremo Tribunal Federal em relação aos seus aliados?

Se assim for, e espero que não seja, o melhor mesmo é ficar com a imagem do suposto, do fictício, do hipotético, do dito por não dito, do “não sei de nada”.

Na mesma linha, mas com um notório sentido do receio do desmentido, da “barriga”, de ações indenizatórias um exagero diante desse quadro constituído, a imprensa continua de modo geral a qualificar os episódios todos do escândalo de Brasília, como algo “suposto”. E lá vem a boa repórter Delis Ortiz no "Jornal Nacional", a se referir a ele, mantendo a dúvida de sua realidade, o qualificando de “suposto” escândalo, mesmo tendo visto, como todo o Brasil, entre outros, aqueles sujeitos em oração agradecendo o volume de propina que auferiam.

Mas, o Judiciário, nesse caso, não está agindo com “suposições”, especialmente depois da tentativa de suborno de uma testemunha de ordem que ela afirmasse terem as cenas transmitidas na televisão sido editadas.

O “Consultor Jurídico” sintetizou os debates havidos no STJ no processo, relatado pelo Min. Fernando Gonçalves, que resultou na ordem de prisão de Arruda, dos quais destaco este trecho:

Nilson Naves entende que a denúncia de que o governador estaria coagindo testemunhas e impedindo o andamento do processo não é suficiente. Para ele, o Ministério Público “tem meios para evitar que isso continue acontecendo”. O ministro Luiz Fux argumento que “a prisão preventiva não pressupõe o recebimento da denúncia ou o recebimento da ação penal, mas pressupõe exatamente coligir os elementos para a propositura da ação penal”. Já a ministra Eliana Calmon foi mais incisiva e considerou que a prisão preventiva ocorre quando há flagrante. “É um caso de formação de quadrilha, em que o flagrante é permanente”, afirmou.

Para decidir pela prisão preventiva de José Roberto Arruda, vários ministros alegaram que não decretar seria “uma homenagem à impunidade”. (1)

Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal que negou o pedido de habeas corpus, mantendo Arruda na prisão, em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, também não fez suposições ao tomar aquela decisão, como nestes trechos:

P. O governador fica preso por causa do inquérito do mensalão do DEM ou pela tentativa de suborno?

R. Pelo flagrante de suborno. É triste, é triste.

P. É o primeiro governador preso no exercício do cargo.

R. Tivemos governadores presos e cassados na época do regime de exceção, mas não por corrupção. Aqui é corrupção de testemunha. É corrupção. (2)

Com todo esse quadro estabelecido, com as imagens que todos os canais de televisão mostram à exaustão, sem qualquer contraprova – havia até a tentativa de suborno de testemunha, como afirmado – a corrupção deixou há algum tempo de ser “suposta” para se tornar real.

Não há mais como informar ao povo brasileiro, tão humilhado na sua dignidade com esses politicoides desonestos, colocando em dúvida seus atos torpes pela “suposta corrupção", pelo “suposto desvio de recursos públicos", etc., mesmo com fortes indícios incriminatórios ou presos por ordem da Justiça e nesse caso de Brasília pelas mais altas Cortes da República.

Este País pode mudar a partir do Judiciário – um reduto que nos obriga a confiar - e da imprensa denunciando, dando crédito às suas próprias investigações.

Referências:

(1)“Consultor Jurídico” de 11.02.2010

(2)“O Estado de São Paulo” de 13.02.2010

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