terça-feira, 20 de abril de 2010

A POLÊMICA SOBRE OS “FICHAS SUJAS”

A votação do projeto que visa impedir a candidatura de políticos com processos criminais e afins na Justiça (“fichas sujas”), vem sendo postergada. O princípio da presunção da inocência tem aspectos negativos quando se trata de matéria desse alcance.

O projeto de origem popular respaldado por mais de 1.600.000 adesões e que propõe impedir a candidatura de postulantes com “problemas” na Justiça, tramita na Câmara dos Deputados de modo claudicante.

Não parece que seja aprovado para as eleições deste ano, embora fosse de extrema necessidade que tal se desse, depois de tudo que vem se assistindo neste país com focos de corrupção comprovados ou acobertados.

E ainda que seja, com toda certeza será um projeto modificado garantindo o interesse dos políticos, tenham ou não “ficha suja” no seu currículo.

Na verdade, o §9° do artigo 14 da Constituição Federal, estabelece “a moralidade para o exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato”, bem como “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

Esse dispositivo contém praticamente tudo para a garantia da “ficha limpa” nas eleições, desde que deixe de ser, como até aqui, apenas uma norma programática.

Há uma tese no âmbito do Supremo Tribunal Federal que consigna o princípio da presunção da inocência. Com efeito, o Ministro Ricardo Lewandowski, que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral – e comandará as próximas eleições - em recente entrevista, as ser perguntado sobre a candidatura apenas de postulantes com “ficha limpa”, respondeu

“No Supremo, eu me filiei à corrente segundo a qual deve prevalecer a presunção de inocência. Mas é claro que, como cidadão, como eleitor eu vou escolher o candidato que tenha os melhores antecedentes possíveis.” (1)

Uma tal posição de Ministro do STF é claro que enfraquece a aprovação do projeto popular no Congresso, mesmo com o respaldo das 1,6 milhões de assinaturas.

A presunção de inocência, bom que se lembre, existe até mesmo para assassinos confessos ou notórios que aguardam em liberdade julgamento em “órgãos judiciais colegiados” (Tribunais).

Nessa linha, com o objetivo de garantir o direito de candidatura de qualquer político com antecedentes criminais, o deputado petista José Eduardo Martins Cardozo propõe a seguinte solução, sem atentar para o outro lado da moeda:

“A cautelar permitindo que o candidato participe das eleições só será dada diante de prova robusta, de convicção de que o recurso contra a condenação possa vir a ser acolhido. Seria uma injustiça, um dano irreparável, que o candidato fosse barrado da eleição e depois ganhasse o recurso.” (2)

Ora, imaginem se a cautelar em prol da candidatura for concedida e depois, na sequência do processo, se der a condenação do candidato. Imagine-se mais se eleito: perderá esse político condenado, o mandato?

Ao se colocarem tais casuísmos de reserva, seja quem for o postulante visa, na realidade, “tudo mudar, mas para tudo permanecer”.

Segundo o jornal “O Estado”, eis como fora a primeira proposta do projeto popular e as alterações que se seguiram

Original: “Os condenados em primeira instância ou que tiverem denúncia recebida por órgão judicial colegiado, ficam proibidos de se candidatar.” Tornam-se inelegíveis por oito anos.

Revisão elaborada por grupo de trabalho da Câmara: “Os condenados por órgãos colegiados ficam proibidos de se candidatar”. Inegibilidade por oito anos

Como deverá ficar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara: “Os condenados poderão recorrer a tribunais superiores e contestar a condenação”, com pedido de “efeito suspensivo” à proibição da candidatura. (3)

Em poucas palavras: essa última proposta que pode ser a definitiva e aprovada na Câmara possibilitará tantos recursos ao candidato a ponto de na eventualidade da obtenção do “efeito suspensivo” liberando sua candidatura, possibilitar sua eleição. Volto a perguntar: e se depois de eleito, for ele condenado pelos crimes que responde?

Já escrevi um artigo em 17.02.2010 (“Corrupção: o país do “suposto”), me referindo à imprensa, então, mas ele reflete a nossa cultura no trato da corrupção e dos delitos criminais no meio político. O tema me indignara a propósito do escândalo de Brasília. A “chamada” do artigo tem o seguinte teor:

"Não há escândalo de corrupção, com situações escancaradas que a imprensa de um modo geral não qualifica de “suposto”, mesmo com filmagens de recebimento de propina e de desculpas esfarrapadas dos indiciados. A palavra tornou-se espécie de cacoete na imprensa."

No trato dos políticos “fichas sujas”, o “suposto” (criminoso, corrupto) também aí parece irá prevalecer nesse projeto popular distorcido. Uma anomalia cultural que precisa ser extirpada.

Nesse passo, todas as ONGs que defendem o projeto original, paralelamente ao seu acompanhamento no plenário, deverão pressionar também os partidos e especialmente o PMDB que se constitui na maior sigla de adesão dos últimos tempos.

Por isso, não vejo muita sinceridade na preocupação de Michel Temer (presidente da Câmara e do PMDB) de que seu partido sairá desgastado se o projeto for rejeitado com votos de seus deputados.

Estou pessimista, pois, no desfecho do projeto na Câmara e depois no Senado.

Pelo jeito a solução será analisar a ficha criminal dos candidatos que o eleitor esteja inclinado a votar, na linha do posicionamento do Ministro Ricardo Lewandowski.

Nesse caso, haverá que ser promovida campanha maciça de esclarecimento sobre essa alternativa.

Referências

(1) “O Estado de São Paulo” de 18.04.2010

(2) “O Estado de São Paulo” de 11.04.2010

(3) “O Estado de São Paulo” de 11.04.2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário