domingo, 4 de abril de 2010

CRUCIFIXOS NAS PAREDES

16/11/2009

Discussão que vai se repetindo quanto à permanência de crucifixos em locais públicos. A Itália foi novamente posta a prova com decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos que determinou a exclusão do símbolo de uma escola pública. A liberdade religiosa


Já escrevi alhures que sempre tive lampejos de emoção ao assistir a devoção religiosa especialmente nas igrejas católicas.

Na época em que trabalhava mais amiúde em São Paulo, naquelas tardes quentes e sufocantes da capital, tinha por hábito, por alguns minutos refugiar-me na Catedral da Sé.

Era ali que acompanhava a entrada e saída dos fiéis, que em reverência se ajoelhavam em oração. A fé assim discreta, desperta em mim essa emoção.

Olhava para a figura do Cristo crucificado e me perguntava até quando essa imagem perduraria como símbolo primeiro da religião, em cada canto, em cada ambiente solene ou não.

Vencedor que fora com Seus ensinamentos que atravessam os séculos registrados no Novo Testamento, o próprio calendário, com as imprecisões conhecidas partiu do seu nascimento, haveria sua imagem que ser invocada como tal, um vencedor. Assim, sempre aspirei vê-Lo de braços abertos, receptivo, como se a todos esperasse. Braços abertos fazem do homem uma cruz. Não mais aquela imagem desfigurada nos crucifixos, de tal forma que em algumas gravuras até assustam.

Por isso, não serei chamado de desrespeitoso ou irreverente ao repudiar, entre outras, uma dessas imagens construída por um bom artesão que representou a Sua figura na cruz retorcendo barras finas de ferro, e afixada na secretaria duma Vara da Justiça do Trabalho na cidade onde predomina minha atividade profissional.

Sempre me pergunto o que faz ali aquela imagem deslocada naquele ambiente onde não há nada de cristão, mas tudo de "Cesar". E em muitos outros ambientes o mesmo sentimento se repete.

Por isso, sempre acompanho com atenção debates sérios sobre a oportunidade de ser mantido esse símbolo, o crucifixo, em tais ambientes.

Um embate recente se deu na Itália, provindo de uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos que fundamentada na Convenção Européia de Direitos Humanos, atendendo pleito no processo conhecido como “Lautsi vs. Itália” determinou a retirada dos crucifixos de uma escola pública italiana, fixando multa se não cumprida a medida. Essa decisão levara em conta que tal símbolo encontrado em todas as salas de aula, feria a liberdade religiosa de outros credos. Lautsi é mãe de dois filhos que freqüentam essa escola pública italiana. É ela a autora da demanda.

Houve reações na Itália de indignação.

Entre nós, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, em artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo” de 7 de novembro último não poupou críticas à medida imposta à Itália e, data venia, como se diz no meio jurídico, sendo quem é o autor, parece que sua opinião tem muito de emocional.

Com efeito, confunde o crucifixo com as comemorações natalinas que todos guardam como se a falta desse símbolo pudesse ter alguma influência sobre a data máxima da cristandade ( “A contradição hipócrita entre a eliminação dos crucifixos e a comemoração do Natal — signos que lembram a morte e o nascimento de Jesus Cristo — é evidente...”). E digo mais: a permanência ostensiva em tantos locais públicos do crucifixo não tirou o sentido bem comercial que tomou o Natal em todo o mundo. O sentido solene da festividade se desenvolve no recesso dos lares verdadeiramente cristãos quando renovam, nesse dia, sua espiritualidade, inspirados nos ensinamentos de Cristo, com o crucifixo ou não.

Afirma Ives Gandra:

“O certo é que há uma minoria, com forte influência política, que busca solapar os valores éticos e culturais do cristianismo a título de impor a ditadura do ateísmo, segundo a qual, num Estado laico, apenas os que não têm religião podem se manifestar, impor as suas regras e exigir que todos os que acreditam em Deus se submetam à tirania agnóstica.”

Não parece que assim seja, porque há milhões de pessoas vivendo na Itália ou qualquer outro país que não professam o cristianismo, mas acreditam em Deus, não são agnósticos. Não precisam do crucifixo para tanto.

Ademais, o catolicismo já impôs muita coisa ao longo dos séculos inclusive o próprio cristianismo da maneira mais dolorosa possível.

Diz mais Ives Gandra:

“Trata-se de uma visão deturpada do Estado laico. Este não é um Estado sem Deus, mas um Estado em que a liberdade de pensar é plena e não pode reputar-se ameaçada pelo respeito às tradições do povo e do país. Numa democracia, é a maioria que deve decidir os seus destinos. E a maioria acredita em Deus.”

Sim, a maioria acredita em Deus. Não será a falta do crucifixo que representa um Cristo “eternamente derrotado” que tal se modificará.

Desse modo, está posta a discussão sobre a permanência ou não de crucifixos nas paredes. Ela tende a evoluir

PS: No Brasil esse questionamento já se deu não faz muito. No caso, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que cada magistrado decidirá pela manutenção ou não do crucifixo no recinto de julgamento.

Referências:

ALDIR GUEDES SORIANO, artigo “Impedir a exposição de crucifixos não é hostil à religião” – ‘Folha de São Paulo’ de 07.11.2009

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, artigo “Corte não levou em consideração tradições” – ‘Folha de São Paulo’ de 07.11.2009

MARIA CLÁUDIA BUCCHIANERI PINHEIRO, artigo “A lição da Corte Europeia de Direitos Humanos” – ‘Consultor Jurídico’ de 10.11.2009

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