sábado, 3 de abril de 2010

JUDICIÁRIO ATRIBULADO E EMPERRADO

19/07/2009

A imprensa de um modo geral, com frequência, noticia as agruras da Justiça brasileira que se depara com milhões de processos e, na outra ponta, os cidadãos que dependem de suas decisões e, tanto a demora em milhares e milhares de demandas que entram num estágio de total descrédito em relação à Instituição judiciária.

No meio das dificuldades do Judiciário e das angústias dos cidadãos postulantes, estão os advogados. Não lhes faltam, também, uma dose forte de angústia e não menos forte cotidiana tensão por esse estado de coisas. Pois é esse profissional que por dever legal e pelo tecnicismo do processo acessa o Judiciário e, em relação ao cliente-autor, cabe a eles tudo explicar. Muitas vezes, explicam a mesma coisa por anos a fio, porque o processo permanece imóvel num escaninho de um tribunal qualquer.

Não poucas vezes, pela demora, é ele classificado, já que é o intermediário no processo, de mau profissional, pouco atuante. E por mais que explique ao cliente leigo a tramitação da ação, aquele tecnicismo dificulta em muito a sua compreensão.

E nesse quadro, rigorosamente, se a ação não é bem sucedida nas várias instâncias, é sempre o advogado responsabilizado, não os meandros da Justiça e, diga-se claramente, as deficiências dos próprios magistrados, tão atribulados que não podem se debruçar com o cuidado que seria desejado nas questões intrincadas que um processo pode conter. A isso se alie, sim, magistrados com pouca qualificação científica, descurados. Claro que o mesmo ocorre na classe dos advogados principalmente porque com a proliferação de faculdades de direito, mesmo com a peneira do ‘exame de ordem’, muitos são aprovados, embora despreparados e incultos. E esse despreparo afeta a própria magistratura quando um candidato consegue vencer as barreiras do exame de ingresso na carreira. O juiz é antes de tudo, um advogado.

A profissão é árdua, cheia de prazos e ordenamentos a cumprir. E doutrinas a compulsar.

No dia-a-dia, o advogado se depara, ainda, com as dificuldades da máquina deficiente que se manifesta nos balcões dos cartórios judiciais. Há advogados que proclamam que, quando possível, em determinadas situações, todo o Poder Judiciário “joga contra” suas prerrogativas: o magistrado, o oficial de Justiça, os cartórios judiciais...

Mas, é o advogado, a despeito de tudo, queiram ou não, que tenta azeitar essa máquina emperrada com sua atuação e sua persistência. Quantas vezes uma tese aparentemente descompromissada defendida numa ação, não se converte numa jurisprudência de largo alcance! A jurisprudência dos Tribunais começa nas mãos do advogado que postula.

Um exemplo de atrito burocrático inacreditável que tumultuava os fóruns foi corrigido por lei recente, um preciosismo. Essa lei passou a autorizar os advogados a retiraram processos por uma hora para extração de cópias no caso de haver prazo comum para as partes adversas, porque até então cada cartório judicial ou cada fórum agia nesse assunto tão elementar de maneira diferente tumultuando a vida dos advogados.

E quantos impressos desnecessários obrigam-se a preencher num aumento crescente da burocracia inútil. No Estado de São Paulo, o “livro de carga” no qual se registram os processos autorizados a saírem do fórum por dias aos cuidados do advogado habilitado, constitui-se em algo que remonta aos tempos da escrita a manual, da pena e do tinteiro. E não há meio de ocorrer uma mudança nesse sistema assim arcaico que leva minutos para ser cumprido. E são centenas de processos retirados em “carga”, registrados nesses livros. E tudo nestes tempos de informática!

Em 1995, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais especializados nas ações cíveis de menor monta com valor até 40 salários mínimos e nas ações criminais aquelas de menor potencial ofensivo.

Gratuito o acesso, foi um alento nos primeiros anos. Mas, não demoraria muito e passaram esses Juizados a receber volumes crescentes de ações com base no Código de Defesa do Consumidor, lei meritória que adviera exatos cinco anos antes. Resultado: em algumas regiões, no Estado de São Paulo os JECs recebem quantidade tal de demandas que superaram sua capacidade de julgamento e, pior, com número insuficiente de funcionários.

O mesmo se deu nos Juizados Especiais Federais estes competentes nas ações limitadas a 60 salários mínimos com competência para julgar ações contra os entes públicos federais. Neles desembocou a grande maioria das demandas previdenciárias, aos milhares. Os números também se agigantaram e a tramitação se tornou lenta especialmente se houve apelação remetida aos Colégios Recursais – espécie de Tribunal de Recursos das decisões desses Juizados.

Em poucas palavras, os Juizados não só são lentos pelo excesso de demandas, como deficientes e também burocráticos.

Dados estatísticos de 2008 revelam que somente na Justiça Estadual, os números são preocupantes: há mais de 3 milhões de processos em 2ª Instância (Tribunais) para 1.500 desembargadores e mais de 45 milhões em 1ª Instância para 8.603 magistrados.

Nos Juizados Especiais, havia pendente em 2008, mais de 4 milhões de processo e nos Colégios Recursais 120 mil processos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo que é qualificado como “o maior do mundo”, com 351 desembargadores é o mais atribulado do país, concentrando elevados índices de processos pendentes nas duas instâncias. Na 1ª Instância são mais de 9 mil processos por magistrado.

Na Justiça Federal – competente para decidir demandas contra entes públicos federais (União, INSS, CEF, etc.) e os crimes de sua competência, a situação também não é animadora:

No Tribunal Regional Federal de São Paulo e Mato Grosso do Sul (TRF da 3ª Região) são 39 desembargadores e mais quatro juízes convocados que se deparam com mais de 300 mil processos pendentes de julgamento. Na primeira instância, entre processos cíveis e criminais, há mais de 1,5 milhão de processos.

Na Justiça Federal, compreendendo a tramitação na 1ª instância e no TRF, o autor destas linhas tem processos previdenciários tramitando desde 1996. Quando ingressados seus clientes não faziam jus aos benefícios do “Estatuto do Idoso” que proclama prioridade de julgamento para aqueles com mais de 60 anos. Ultrapassada em muito essa idade, depois de tantos anos de aguardo de uma decisão, nem com insistentes requerimentos agora invocando os dispositivos do citado Estatuto, esses processos têm perspectiva de julgamento.

Não há, pois, como negar o caos no Judiciário brasileiro.

Medidas de melhoria têm sido implantadas, especialmente com o uso da internet, que permite a digitalização de processos e, para os Tribunais Superiores e para toda a Justiça do Trabalho, a remessa de petições por assinatura digital, embora esse recurso ainda seja limitado quanto ao tamanho do arquivo que permite transferir eletronicamente para o processo.

De outra parte, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, adveio a lei que introduziu as súmulas vinculantes que consiste na sintetização de teses pacificadas nesse tribunal superior com efeito sobre as instâncias inferiores na medida em que se obrigam a observá-las quando se deparam com casos já regulados por elas.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, há disposições legais que facultam o julgamento dos denominados “recursos repetitivos” quando uma mesma questão de direito se repete em vários processos. Apenas um ou alguns são remetidos pelos Tribunais Estaduais ao STJ, ficando suspensos os demais com a mesma tese em debate. Julgados aqueles remetidos, a decisão afetará todos os outros que permaneciam suspensos.

Mas, isso é pouco, daí porque em abril último, os três poderes, pelos seus representantes máximos (Executivo, Legislativo e Judiciário), firmaram o denominado “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, no qual foram relacionadas propostas para a melhoria do Judiciário, desde o acesso à Justiça pelas classes mais pobres, como o fortalecimento da mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos pela autocomposição diminuindo o acesso à justiça, da aplicação de penas alternativas como fortalecer o exercício do direito fundamental à ampla defesa e da advocacia. E por aí vai.

Nesse ‘pacto’, há o compromisso em instituir uma comissão para viabilizar todas as inúmeras medidas propostas.

Que não fique no papel, porque há muito que fazer. O caos judiciário já está instalado há muito tempo e, nada sendo feito, as coisas se agravarão.

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