domingo, 18 de setembro de 2011
NOVA DECISÃO POLÊMICA DO STF (Crime culposo nos homicídios dos motoristas alcoolizados)
Desta feita foi mudar o rito da ação penal de crime doloso para crime culposo nos casos de atropelamento com morte provocados por motorista embriagado
Já escrevi sobre o consumo do álcool, da cerveja especialmente, dois artigos, nos quais destaquei a propaganda desproporcional para o seu consumo que os meios de comunicação, especialmente a televisão estampam. Menos que mero apelo publicitário, verdadeiro assédio publicitário: “beba, beba muito, mas ‘com’ moderação”. Nesses apelos, criaram-se as devassas, os conquistadores e os lorpas engraçadinhos.
Essa desproporção publicitária sem qualquer controle e senso crítico só eleva o consumo alcoólico e, como dito, o da cerveja. Isso se constata no dia-a-dia em qualquer supermercado que se frequente. (1)
Há, pois, na inconsequência publicitária, na sua avalancha, a (i) responsabilidade dos consumidores especialmente jovens que, sob o álcool se transformam em valentes ou verdadeiros “zumbis”. (v. abaixo, fábula de Malba Tahan os três tipos alcoólicos em “Lenda da embriaguez”).
É sob os efeitos do álcool que motoristas irresponsáveis dirigem seus carros ziguezagueando e geralmente em alta velocidade ou se submetem a “rachas”. Num e noutro caso, têm se repetido acidentes trágicos, com vítimas fatais.
Pelos apelos constantes do “se dirigir não beba”, porque o alcoólico assumiria o risco pelos seus crimes ao volante, o Judiciário de um modo geral, vinha classificando esses crimes como dolosos, na figura do “dolo eventual”, submetendo-os aos procedimentos do júri popular.
Atente-se para a sutileza conceitual entre “dolo eventual” e “culpa consciente” nas lições de Damásio E. de Jesus:
“A culpa consciente se diferencia do dolo eventual. Neste o agente tolera a produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume o risco de produzi-lo. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não assume o risco de produzi-lo e nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua não produção." (2).
Firmara-se esse encaminhamento judicial até que, recentemente, a matéria foi submetida ao Supremo Tribunal Federal.
Pelo voto do ministro Luis Fux houve reviravolta no conceito dos crimes de trânsito praticamos pelo alcoolizado que desclassificou o dolo, atribuindo a tais delitos a figura da culpa. Sustentara a defesa do acusado que “o fato de o condutor estar sob o efeito de álcool ou de substância análoga não autoriza o reconhecimento do dolo, nem mesmo o eventual, mas, na verdade, a responsabilização deste se dará a título de culpa”.
O voto vencedor é longo mas o trecho a seguir, sintetiza bem o entendimento do ministro que convenceu seus pares no Tribunal:
“O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.”
E nessa linha, tais crimes foram classificados segundo o que estabelece o artigo 302 do Código Nacional de Trânsito com a seguinte redação:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Há visível sutileza nesse dispositivo do CNT: por ele, fica a presunção de que todos os homicídios na direção de veículos, são culposos, o que parece haver aí, uma impropriedade que acabou por prevalecer no STF.
Essa decisão já foi copiada em outro caso de habeas corpus em processo semelhante no próprio STF o que significa que tal jurisprudência se firmará nessa linha.
Em assim sendo, parece necessário rever ou o Código Penal ou o próprio CNT de tal ordem a dar nova classificação a esses crimes porque as penas previstas estão desproporcionais em relação aos assédios insistentes pelo consumo do álcool.
A quase impunidade efetivamente não é um incentivo ao “beba com moderação”, mas, ao ‘beba, beba muito”. Se se der o homicídio por conta do álcool quem sabe não haja até mesmo a impunidade, quer pela pena leve, que pela prescrição, como se deu recentemente no processo do jogador Edmundo.
Este é o país Brasil!
Faço uma digressão para dramatizar uma situação possível:
O alcoolizado, valentão, da sacada do seu apartamento, revolver em punho, dá tiros para o alto. Num dado momento, dirige a arma para a rua e dá tiros a esmo. Acerta um transeunte à morte. Não tivera a intenção de matar...
Seria esse crime doloso ou culposo?
Lembro-me de apelo oficial nos meios de comunicação que recomendava dirigir com atenção no trânsito e com velocidade moderada: “não faça do seu carro uma arma...”
Penso que essa matéria não está bem resolvida.
Legendas:
(1) Artigos: “Bebida alcoólica: forte apelo publicitário” de 27.06.2010 e “A Terra da cerveja: beba, beba muito, mas “com” moderação” de 06.03.2011
(2) Damásio E. de Jesus, “Direito Penal” – Ed. Saraíva.
Apêndice:
LENDAS DA EMBRIAGUEZ – Malba Tahan
Preparava-se Noé para plantar a primeira vinha e eis que surge diante dele a figura negra e hedionda do Demônio.
- Que pretendes plantar aí? - perguntou o Demônio.
- Uma vinha! - informou Noé encarando com olhar sereno o seu insolente interrogante.
- E como são os frutos que esperas colher, meu velho? - Inquiriu friamente o Demônio.
- Ora - explicou o Patriarca de bom-humor, - são frutos deliciosos, sempre doces. Os homens poderão saboreá-los maduros e frescos ou secos e açucarados. Do caldo desse fruto poderá ser fabricada uma bebida - o vinho de incomparável sabor. Essa bebida levará alegria e inspiração aos corações dos mortais!
- Quero associar-me contigo no plantio dessa vinha! - propôs o Demônio com certo acinte na voz.
- Muito bem! - concordou Noé - Trabalharemos juntos. Ficarás, desde já, encarregado de regar a terra.
E o Demônio, no desejo de agir pela maldade, regou a terra com o sangue de quatro animais tirados da Arca: o cordeiro, o leão, o porco e o macaco.
Em conseqüência desse capricho extravagante do Maligno, aquele que se entrega ao vício degradante da embriaguez recorda, forçosamente, um dos quatro animais. Bem-infelizes os que se deixam dominar pelo álcool! Tornam-se alguns, sonolentos e inermes como um cordeiro; mostram-se outros exaltados e brutais como um leão; muitos, sob a ação perturbadora da bebida que os envenena, ficam estúpidos como um porco. E há finalmente aqueles que, depois dos primeiros goles, fazem trejeitos, dizem tolices e saracoteiam como macacos. (“Lendas do Povo de Deus”)
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