quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

DOM PAULO, FIGUEIREDO E GREVES NO ABC



Quantas vezes já informei que na década de 70  trabalhava na indústria automobilística. Nas greve de 1978 – um marco político – era profissional de Relações Trabalhistas na fábrica da Chrysler de Santo André.
A partir daí acompanhei na “intimidade” todo o movimento político-sindical, daqueles tempos participando no âmbito da empresa de todos os episódios.
Para que se tenha uma noção da relevância do acordo que pôs fim às greves de 1978, o seu texto com orgulho foi pendurado como quadro honroso na sala de muitos dirigentes empresariais que passaram a considerar Lula uma figura nova, um nova face no sindicalismo, autêntico.

Os trechos abaixo foram extraídos do meu livro “Sindicalismo e Relações Trabalhistas” até chegar nas greves de 1980 quando João Figueiredo, de modo “ameno” se refere a Dom Paulo Evaristo Arns ("os salários são baixos", dizia ele).
Dom Paulo faleceu em 14 de dezembro de 2016.

Trechos (na cor azul):
Nas eleições de dezembro de 1978 o MDB lançou como candidato de oposição, o general Euler Bentes Monteiro. No colégio eleitoral o “sim” já foi bem mais escasso, refletindo, aliás, aquele clima de abertura: Figueiredo foi eleito pela ARENA com 335 votos, contra 266 conferidos ao candidato da oposição.
João Figueiredo, reconhecendo que o país não tinha democracia sentenciaria: “Reafirmo: é meu propósito inabalável fazer deste país uma democracia.”     
O mais duro teste não se fez esperar.
A posse de João Figueiredo, em 15.03.1979, fora marcada por um grande movimento grevista no ABC, coordenado pelos sindicatos dos metalúrgicos que tivera início no dia 13.
Essa greve - com forte motivação política pelo momento de sua deflagração, agora comandada pelos próprios sindicatos -, era respaldada por assembleias que atraiam milhares de trabalhadores. Essas assembleias eram realizadas num estádio de futebol, de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, que se tornou famoso por essas concentrações.
A greve deflagrada basicamente por discordarem os metalúrgicos dos critérios de reajustamento salarial propostos pelos empregadores e por insistirem na instituição de comissões de fábricas - resultou na intervenção nos sindicatos (de Santo André e São Bernardo do Campo) pelo Ministério do Trabalho.
Mas, após negociações de bastidores, chegou-se a uma solução provisória para o impasse onde se acordou uma trégua de 45 dias, período em que a greve foi suspensa. Vencido esse período, achado um acordo definitivo, a intervenção foi revogada, reassumindo os dirigentes afastados pelo ato oficial. O retorno foi emocionante, porque Lula contava com a simpatia da imprensa e da população em geral (incluindo os empresários).
Ressalte-se que nas comemorações do 1° de Maio, dentro da trégua de 45 dias - num momento em que as negociações estavam ainda indefinidas - com a participação de dirigentes sindicais de diversas categorias, realizou-se no estádio de Vila Euclides, seguramente, uma das maiores concentrações operárias dos últimos tempos. Um momento emocionante foi a leitura da poesia “Operário em Construção” de Vinicius de Moraes, presente ao ato:
            (...)
            “Via tudo o que fazia
            O lucro do seu patrão
            E em cada coisa que via
            Misteriosamente havia
            A marca de sua mão.
            E o operário disse: Não !

            - Loucura ! - gritou o patrão
            Não vês o que te dou eu ?
            - Mentira ! - disse o operário
            Não podes dar-me o que é meu.”
            (...)



Foi a partir dessa greve que a Igreja Católica passou a apoiar ostensivamente o movimento operário. Havia um ano que, na televisão, Lula criticara a pouca atenção e apoio que dava a Igreja aos movimentos operários.
O bispo de Santo André, Dom Claudio Hummes, que chegou a participar da solução do conflito convidado para uma reunião em Brasília com o Ministro do Trabalho, em comunicado em que explicava a “atuação da Igreja apoiando a greve dos metalúrgicos do ABC”, diria que pretendia “como pastor defender os direitos fundamentais dos metalúrgicos e apoiar suas justas reivindicações”. E concluía afirmando que continuava “a distribuição de alimentos às famílias dos metalúrgicos atingidos pela greve”.
(...)
Nesse período difícil, refletindo uma crise que se iniciara em 1980,   grandes movimentos grevistas foram deflagrados. 
 Em 1° de abril desse ano, teve início no ABC mais um movimento paredista dos metalúrgicos que buscavam aumento de produtividade de 15%. As negociações não prosperaram. Todavia, ele poderia ter se encerrado logo no seu início quando, surpreendentemente, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, declarou-se incompetente para julgar a legalidade da greve e, no mesmo julgamento, concedia praticamente todos os pleitos salariais dos trabalhadores. Houve a promessa dos empresários nos bastidores, de que as empresas cumpririam a decisão judicial.
Mas, a greve prosseguiu porque fora incluída nas reivindicações, então, a estabilidade no emprego. Além, é claro, da projeção política buscada pelos dirigentes sindicais que lideravam o movimento.
Com essa atitude, nova intervenção nos Sindicatos de São Bernardo e Santo André, prisão de todos os líderes sindicais nas celas do DEOPS, confrontos seguidos entre policiais e políticos do PMDB solidários com os grevistas, mantendo a cidade de São Bernardo do Campo por semanas em clima de tensão e caos.
(...)
A situação dos sindicatos sob intervenção só começou a se regularizar a partir de 1981, quando a FIESP revelou que não negociaria com os interventores nomeados.
Esse movimento grevista, que durou 41 dias, abusado ou não, alcançou forte repercussão e solidariedade internacional. 
A partir daí, o direito de greve tornou-se uma realidade, a despeito da vigência da Lei n° 4.330/64 e do Decreto-lei n° 1.632 de 4.8.1978 que a proibia nos serviços públicos e nas atividades essenciais de interesse da segurança nacional. Absurdo jurídico ? Sim, absurdo jurídico !
(...)
A Igreja Católica já vinha dando apoio aos movimentos grevistas, como já vimos, em particular, naqueles ocorridos no ABC.
Durante a greve de 1980, numa entrevista, o Presidente João Figueiredo assim se posicionou sobre o envolvimento da Igreja:
“- Como Sr. vê a participação da Igreja no episódio ?
- Vejo mal, muito mal. Mas não é a Igreja, são certos segmentos dela. Muitos bispos também têm me procurado e manifestando posição contrária àquela assumida pela Igreja em São Paulo, dizendo que não concordavam com ela.
- E a nota da CNBB sobre a greve ?
- A CNBB não é a Igreja.
- Então é só uma parte da Igreja que apoia os metalúrgicos ?
- É verdade, a Igreja está dividida.
- Os sacerdotes estão  liderando a greve ?
- Não sei se estão liderando ou não. Mas estão dando a impressão à opinião pública de que estão se colocando contra a lei.
- E D. Paulo Evaristo Arns ?
-Não conheço. Nunca tive contato com ele, mas pelas manifestações que tenho, ele está incitando a greve”.
Dentro da Igreja, essas afirmações geraram polêmica, especialmente aquelas relativas à CNBB.



Muito já se disse sobre Dom Paulo inclusive sua participação para derrubada gradativa do poder militar. Religioso corajoso, saiu sempre em defesa dos mais necessitados atuação que nem sempre mereceu a compreensão daqueles que veem a eclosão do comunismo como um fantasma que assombra tal qual o fogo fátuo. Nessa quadro cheio de alternativas, no tocante ao movimento sindical o qual ele apoiou,  no meu livro “Joana d’Art” quando me refiro, digamos, à memória daqueles idos que de tão perto acompanhei, reconheci:
                      
Não foram muitos os que se decidiram por aquele espírito belicoso incluindo os que rumaram meio às cegas, mas vários foram os militantes que se deram mal. Esse tipo de oposição fora instituída num momento de arrogância militar. Um erro.  Haveria que esperar o momento começando por discutir ideias.

O regime militar haveria que se enfraquecer como resultado de sua fadiga. Cairia de velho. O sindicalismo no ABC por linhas tortas tivera essa percepção mesmo que de modo ocasional. Não importa. De um modo ou outro deram contribuição  para a queda do regime militar mais tarde.”



PS: como já disse vezes outras o meu livro "Sindicalismo e Relações Trabalhistas" constitui-se na minha ex-futura obra prima.