João Goulart, o Jango, voltou forte ao noticiário da imprensa, por causa da exumação do seu cadáver par apuração da causa de sua morte sob suspeita de envenenamento. Seus restos foram recebidos com honras de chefe de estado.
O texto abaixo, escrito em 1995 foi extraído do meu livro "Sindicalismo e Relações Trabalhistas" - 4ª edição que trata dos episódios centrais de sua deposição.
Quase duas décadas depois de escrito esse texto, talvez hoje pouco o modificasse, salvo aprofundamento de alguns episódios importantes e, principalmente, refletir um pouco mais sobre a conspiração que se instalou no seu tempo.
Passado o
plebiscito, que pelo voto decretou a volta do regime presidencialista, o país
entrou num processo gradual de desordens provocadas por seguidas greves, pelas
vacilações e pela crise de autoridade do governo.
A grande
imprensa aliava-se em denunciar o perigo comunista, assombrando a classe média.
A época era muito propícia para esse tipo de campanha porque a “guerra fria” se
constituía num polo de influência ao maniqueismo político: o sim e o não, o bem
e o mal.
Alguns
paradoxos foram notáveis. A saudosa
deputada Ivete Vargas, quando inquirida sobre quem dominava o movimento
sindical à época de Jango, se ele próprio, a sua oposição dentro do PTB ou o
PC, sustentou:
"Olhem, era
tudo tão confuso e contraditório, a briga dentro do movimento sindical era tão
grande, que é muito difícil saber. Dou-lhes um exemplo. Um dia chego em casa,
ligo a televisão e vejo que Luiz Carlos Prestes estava dando uma entrevista.
Como não estava com vontade de ouvi-lo, mudei de canal. Também ela transmitia a
entrevista. Mudei para outro e foi a mesma coisa. Aí minha curiosidade cresceu,
pois Luiz Carlos Prestes numa cadeia de televisão era um fato digno de
registro. Foi quando ele disse que os comunistas ainda não estavam no poder, mas
já estavam no governo. No intervalo, a minha surpresa cresceu, porque o
programa era patrocinado pela Willys Overland. Como vêem, o governo Jango é
cheio de mistérios e contradições”.
No final de 1963
a conspiração estava em marcha, nos Estados de São Paulo, Minas e Guanabara.
Ela seria colocada nas ruas no tempo certo. O momento amadurecia, os
acontecimentos iam sendo insensatamente fabricados: havia, afinal, o CGT, o
PAC, as Ligas Camponesas no Nordeste, organizadas por Francisco Julião, que
visitara Cuba, proclamando-se defensor do socialismo de Fidel Castro como
solução para os problemas do campo e o movimento estudantil, comandado pela
UNE.
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O então
presidente da UNE, José Serra, em entrevista 30 anos depois desses eventos,
negava ser a entidade estudantil um “braço de agitação dos comunistas”, mas “um
instrumento de agitação dos estudantes e não de um partido, particularmente,
como o PCB”. E o que representava Cuba para os estudantes? Segundo Serra, “Cuba
era para nós importante por ter-se libertado de uma ditadura, pôr ter feito a
reforma agrária, afrontando os Estados Unidos. Eram coisas menos relacionadas
com o socialismo. Sensibilizava bastante a juventude politizada”. [1]
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Novos eventos
abreviavam a queda de Jango:
. Em setembro de 1963, cerca de 500
sargentos se rebelaram em Brasília protestando contra decisão do Supremo Tribunal
Federal que negou reconhecimento à candidatura desses militares. O movimento
foi logo dominado, mas alertou setores do Exército para a indisciplina
demonstrada pelos sargentos e também porque o CGT se posicionara a favor deles;
. No início de outubro, o governador Carlos
Lacerda, em entrevista ao jornal norte-americano “Los Angeles Times” acusou os
militares de estar discutindo, quanto ao governo Goulart, se “seria melhor
tutelá-lo, patrociná-lo, colocá-lo sob controle até o término do seu mandato ou
destruí-lo agora mesmo”.[2]
Essa entrevista foi considerada injuriosa pelos ministros militares.
Diante da
indignação demonstrada por eles, Goulart propôs ao Congresso, a decretação do
estado de sítio de tal maneira que pudesse intervir no Estado da Guanabara,
destituindo o governador Lacerda. Essa intenção, pela forte oposição recebida
de todos os lados, inclusive do CGT e do PUA - receando tornarem-se impedidos
de promover as greves de rotina - não
prosperou.
Praticamente sem
apoio, o governo de Jango ia se arrastando. O ano de 1963 registrou 81% de
inflação, índice alardeado pela imprensa e por seus críticos.
Em 13 de março
de 1964, em grande comício no Rio de Janeiro, com cerca de 200 mil pessoas, com
a participação de inúmeras entidades sindicais, incluindo o CGT, o presidente
assinou dois decretos: um que considerava de “interesse social para efeito
de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias,
açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da
União”, com o objetivo de “tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas,
ainda submetidas a um comércio especulativo e odioso” e outro determinando
a encampação das refinarias particulares, “que passam a pertencer
ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional”.
Adhemar de
Barros, Governador de São Paulo, que com Carlos Lacerda, Governador da
Guanabara e Magalhães Pinto, Governador de Minas Gerais, conspirava abertamente
contra o governo Jango, após o discurso disse abertamente estar empenhado, “no
momento, como todo o povo brasileiro, na luta em defesa das liberdades
democráticas, tão seriamente ameaçadas depois do pronunciamento do Presidente
da República no último dia 13”.[3]
Carlos Lacerda,
no Rio, como esperado fez, também, ao seu estilo, críticas veementes ao
discurso do dia 13.
Parte da
imprensa, com manchetes garrafais, formava a opinião pública do perigo que
representaria a vitória do comunismo no Brasil.
Em comunicado
aos seus subordinados, o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general
Castello Branco declarara ser uma ameaça “o desencadeamento em maior escala
de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT”.
No dia 19 de
março, saindo da praça da República, encerrando-se na praça da Sé, foi
organizada em São Paulo, a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”.
Gradativamente engrossada em seu trajeto, cerca de 500 mil pessoas manifestaram
seu repúdio ao “avanço comunista”. Uma manchete moderada: “São Paulo parou
ontem para defender o regime. Povo, pela Constituição”.[4]
Comentários de
Goulart, a propósito:
“Nas grandes
passeatas os cartazes não eram dirigidos contra a pessoa do Presidente ou
contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos visavam a atingir o
sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da
tomada do poder pelos comunistas”.[5]
Cinco dias
depois, ocorreu séria questão disciplinar na área do Ministério da Marinha.
Contrariando ordens do ministro, os marinheiros decidiram comemorar o aniversário
de sua associação.
Diante do ato de indisciplina, ordenada a prisão dos organizadores,
todos se refugiaram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos carioca.
Os ânimos se
exaltaram. O CGT presente ameaçou com a greve geral. Demitiu-se o ministro da
Marinha. Goulart, incapaz de impor a autoridade de seu mandato, decidiu não
punir os marinheiros.
Nova crise nas Forças Armadas com a manifesta onda de indisciplina atravessando, sem controle, os portões dos quartéis.
Aparentemente
superado o incidente, no dia 30 de março, Jango compareceu à solenidade em
comemoração ao aniversário de fundação da Associação dos Subtenentes e
Sargentos da Polícia Militar da Guanabara. Ao discursar, reafirmou sua intenção
de viabilizar seu programa de reformas, oportunidade em que criticou duramente
seus opositores.
Foi o sinal
esperado para se concretizar movimento com o objetivo de derrubá-lo. Minas
declarou-se em “estado de beligerância”. À sublevação aderiram os governadores
de São Paulo e Guanabara, contando com o apoio do Rio Grande do Sul, Goiás,
Paraná e Mato Grosso.[6]
Na noite desse
dia, Goulart recebeu um telefonema de Amauri Kruel, comandante do II Exército,
comunicando que sua permanência no governo ficava condicionada a ações no
sentido de dissolver o CGT, prender seus principais dirigentes e ações no mesmo
sentido contra a UNE e seus dirigentes.[7]
Goulart,
lembrando suas origens, sempre ligado aos trabalhadores, recusou-se a quaisquer
dessas providências.
Consumou-se,
então, o golpe. Ao conhecer a extensão das manobras, o CGT tentou reagir com
mais uma greve geral. Mesmo atingindo o movimento algumas atividades em São
Paulo e Rio, de nada adiantou.
Os dirigentes
sindicais ligados ao CGT entraram para a clandestinidade, outros deixaram o
país e alguns presos, caso de Clodsmith Riani, presidente da entidade que,
mesmo se entregando à 4a. Região Militar de Minas, permaneceu preso 5 anos e 8
meses.
Foi decretada a
intervenção em centenas de entidades sindicais, incluindo federações e mesmo
confederações, cujos dirigentes foram identificados como simpatizantes das
teses comunistas ou meros suspeitos.
Goulart
refugiou-se no Uruguai.
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Encerrou-se
com a queda de Goulart, pelo maior deles, um longo período de golpes, de
tentativas frustradas e de golpistas irrequietos, eternos insatisfeitos.
Desconhecemos
levantamentos econômicos apurando o custo de todos esses desvios políticos para
o país.
Basta
lembrar, embora também por mérito de sua personalidade, o governo Kubitschek
que teve começo, meio e fim. Houve progresso e desenvolvimento dentro da
democracia e da liberdade.
Hoje, um ponto de referência.
Esse
precedente atesta quanto teria ganho o país se os governos fossem mais
estáveis e, nesse passo, tivesse havido um mediano empenho em resolver
os problemas nacionais.
O golpe
fracassado de Jânio Quadros produziu a subida de João Goulart, sabidamente
“suspeito” não só pelos militares, mas por segmentos influentes das chamadas
“elites”.
A queda de
Jango, passados tantos anos, é só compreensível pela desordem reinante. A
propaganda e a atuação comunista eram eficientes. Mas, esses militantes eram
conhecidos. Não poderiam significar qualquer ameaça, até porque as Forças
Armadas repudiavam incondicionalmente o
regime.
É verdade
que as rusgas da “guerra fria” se
irradiavam, apresentando-se a União Soviética como o polo negativo, o da ameaça
à estabilidade do mundo.
Esse ponto
foi muito aproveitado na propaganda anticomunista resultando nas manifestações
populares de rua.
Mas, não
havia ameaça real da ascensão comunista. Havia, certamente, o cansaço pela
seqüência até irresponsável de movimentos paredistas. E havia, também, um
presidente indeciso, apenas mal
tolerado, sem apoio.
Há algum
tempo, num programa de televisão, sua viúva Maria Tereza reclamava que o único
ex-presidente não “reabilitado” politicamente, era exatamente João Goulart, até
hoje olhado com indiferença.
Muitos dos
seus projetos de reformas seriam mais tarde, num momento político mais propício,
melhor compreendidos. Havia neles um apelo para o encaminhamento de soluções
para problemas que afetavam os mais carentes, um deles, a reforma agrária.
Embora pouco tenha sido feito até hoje, existe
a crença sensibilizando cada vez mais as pessoas: a da necessidade
do combate à miséria que se amplia
assustadoramente.
Depois,
Goulart perdeu o governo por manter fidelidade aos seus princípios e aos seus
aliados (ainda que supostos).
Há, nessa
postura, méritos a serem considerados. Procurados imparcialmente, outros
aparecerão.
LEGENDAS
[1]
- “Folha de São Paulo” de 27.3.1994 (Entrevista de José Serra)
[2]
- Moniz Bandeira, "O Governo João Goulart [As Lutas Sociais no Brasil (1961/1964)]
[3]
- “O Estado de São Paulo”, de 17.3.1964
[4]
- “Folha de São Paulo” de 20.3.1964
[5]
- Moniz Bandeira, obra cit.
[6]
- “Folha de São Paulo” de l.4.1964.
[7]
- Esse diálogo é mencionado nos livros de Moniz Bandeira, cit., e de Hércules
Corrêa ("A Classe Operária e seu partido"). Quanto a este último, afirmou tê-lo ouvido, autorizado por Jango,
numa extensão telefônica porque, naquele
instante, se encontrava no Palácio das Laranjeiras.
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AOS INTERESSADOS NO TEMA VER / LER TAMBÉM ARTIGO CORRELATO: "31 DE MARÇO - 1° DE ABRIL: DIAS DO GOLPE CONTRA JOÃO GOULART" DE 31.03.2013
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Lincoln Gordon, então embaixador dos USA no Brasil, coordenou a "Operação Brodher Sam" e os passos do golpe militar contra Jango, sob assistência da "Frota do Caribe". Apoiavam o golpe ainda a "Operação Popeye" - coordenando a movimentação de tropas em Minas Gerais, e funcionários do Departamento de Estado e da Agência Central de Inteligência norteamericanos. Esquema similar foi utilizado na derrubada de Salvador Allende, no Chile. Já no exílio, Jango foi taxativo a respeito falando conosco, jovens exilados: "Não havia condições de resistir!". Forte abraço, meu amigo!
ResponderExcluirAo passar pela net encontrei seu blog, estive a ver e ler alguma postagens é um bom blog, daqueles que gostamos de visitar, e ficar mais um pouco.
ResponderExcluirEu também tenho um blog, Peregrino E servo, se desejar fazer uma visita.
Ficarei radiante se desejar fazer parte dos meus amigos virtuais, saiba que sempre retribuo seguido também o seu blog. Deixo os meus cumprimentos e saudações.
Sou António Batalha.