Resolvi
explanar de modo resumido sobre o golpe contra João Goulart em 1964 porque me
parece que esse tema, que tem lá sua empolgação ainda não está de todo “resolvido”.
Num recente documentário transmitido pelo Canal Discovery houve “apelos” para
que o Brasil também libere arquivos sobre sua participação na “Operação Condor”,
trágica, que foi aplicada contra os dissidentes que se opuseram aos regimes
ditatoriais, na Argentina (daí “as mães da praça de Maio”), Bolívia, Paraguai e
Chile.
A data
precisa da deposição de João Goulart deu-se em 1° de abril de 1964 e não em 31
de março. Nesse dia precipitando o golpe, o Gal. Olímpio Mourão Filho,
comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora parte com suas tropas
com destino ao Rio de Janeiro onde se encontrava João Goulart.
Sem meios de
reação, Jango parte para Brasília e no dia 1° de abril, deixa o governo, rumando
para Porto Alegre.
Em 2 de
abril, o presidente do Congresso Nacional, Auro de Moura Andrade declarou vaga
a presidência da República, tomando posse o presidente da Câmara dos Deputados,
Ranieri Mazilli.
Bem, João Goulart
desistiu da presidência e da resistência em 1° de abril e somente em 2 de abril
foi formalizada a sua vacância.
E não se
estranhe tal confusão de datas. O jornal “O Estado de São Paulo” de 02 de abril
de 1964 num dos seus editoriais começa deste modo a sua análise:
“A grande vitória de ontem, conduzida
pela mão segura do general Amauri Kruel a frente do II Exército, vem, como era
inevitável, sendo interpretada das mais diversas maneiras. Para os que tendem a
encarar os acontecimentos pelo seu lado superficial, ela surge como epílogo dos
fatos que tiveram início na Semana Santa. Na realidade, porém, o significado do
1° de abril é muito mais profundo e complexo. Antes do mais, o triunfo
alcançado está a dizer-nos que, finalmente, a democracia brasileira venceu a
ditadura em cujas estruturas a nação vegetava.”
Em 1° de
abril, a democracia brasileira venceu a ditadura... (!). Era uma vez o 1° de
abril.
Mais tarde,
o jornal, na "nova" democracia militar seria rigorosamente censurado.
Para trazer
mais elementos “ao significado do 1° de abril, profundo e complexo”, mas sob a
perspectiva da participação dos Estados Unidos no golpe, está em vias de
estreia o documentário “Dia que durou 21 anos” de Camilo Tavares.
Na
divulgação desse documentário são revelados novos documentos e informações obtidos
nos arquivos americanos que ampliam a participação dos Estados Unidos no golpe.
Mas, se
formos considerar indícios, eles são evidentes desde sempre. Na mesma edição do
jornal “O Estado de São Paulo” de 02 de abril de 1964 num segundo editorial lá
está assentado:
“Num recente documento, um relatório preparado
para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes o próprio
Departamento de Estado norte-americano reconheceu que o Brasil se transformou
no cenário principal da guerra fria na América Latina. (...) Aconteceu isso
graças à irresponsabilidade e a cumplicidade criminosa do Sr. João Goulart...”
E mais a
frente:
“A penetração comunista assumiu tais
proporções, que os caudatários de Moscou nem se deram mais ao luxo de tentar
esconder ou refrear seu júbilo diante da certeza da vitória final chegando o
sr. Luiz Carlos Prestes, o “gaulettier” (espécie de líder local) de Kruchev no Brasil a reconhecer publicamente que seu melhor aliado
era justamente o sr. João Goulart e que os comunistas já estavam no governo,
mas não ainda no poder.”
Sobre essa
declaração de Prestes, a saudosa deputada Ivete Vargas quando inquerida sobre
quem dominava o movimento sindical à época de Jango, se ele próprio, a sua
oposição dentro do PTB ou do PC, sustentou:
“Olhem, era tudo tão confuso e
contraditório a briga dentro do movimento sindical era tão grande, que é muito
difícil saber. Dou-lhes um exemplo. Um dia chego em casa, ligo a televisão e
vejo que Luiz Carlos Prestes estava dando uma entrevista. Como não estava com vontade
de ouvi-lo, mudei de canal. Também ele transmitia a entrevista. Mudei para
outro canal e a mesma coisa. Aí minha curiosidade cresceu, pois Luiz Carlos Prestes
numa cadeia de televisão era um fato digno de registro. Foi quando ele disse
que os comunistas ainda não estavam no poder, mas já estavam no governo. No
intervalo, a minha surpresa cresceu, porque o programa era patrocinado pela
Willys Overland. Como veem, o governo Jango é cheio de mistérios e
contradições.” (1)
Para quem
não se lembra, fora a Willys Overland uma automobilística americana, adquirida
pela Ford mais tarde que não se esgueirara em pagar espaço para o comunista
Luiz Carlos Prestes.
Era clara a
conspiração em andamento.
Qual o
receio, inclusive dos americanos com interesses contrariados por políticas de
Jango? Que o Brasil se transformasse numa grande Cuba na América Latina? Um
satélite da União Soviética? Um regime comunista tipo chinês de Mao Tsé-Tung
que arrasava, então, a China?
Quais forças
dariam apoio a tal empreitada se o exercito se mobilizava na conspiração contra
João Goulart e seus aliados?
Por via de
dúvidas, os Estados Unidos, ressabiados com a crise dos mísseis (com ogivas nucleares) em Cuba instalados pela União Soviética apontados para a Flórida, em 1962 já se
movimentavam em encaminhar forças para o país objetivando garantir o ‘status quo’
de sua área de influência na América do Sul, máxime pelo tamanho do Brasil.
E Goulart, mesmo com a gravidade real da crise dos mísseis não apoiou a ameaça americana de invadir Cuba para desmontar esse aparato soviético, na iminência de um conflito nuclear.
E Goulart, mesmo com a gravidade real da crise dos mísseis não apoiou a ameaça americana de invadir Cuba para desmontar esse aparato soviético, na iminência de um conflito nuclear.
Penso
de modo severo que se um dia algum biógrafo com tempo fizesse uma biografia do
velho comunista Prestes constataria que se trata de uma figura desastrosa na “história”
do Brasil, uma vida atrasada, infeliz que será uma ofensa até compará-lo a Dom
Quixote, o herói de Miguel de Cervantes y Saavedra. Aliás, dado a incentivar condenações
em tribunais de exceção, o “cavaleiro da desesperança”.
Claro que as
impressões do jornal refletem o momento em que se deu o golpe – e não há outra
palavra para qualificar a “renúncia” de Jango – a conspiração corria solta e a
esquerda com cegueira crônica não percebia o que se dava, não nos bastidores,
mas às claras.
No que se
refere ao movimento sindical e o grevismo havia perante as forças armadas um forte
grau de intolerância tanto que, em comunicado, o Chefe do Estado Maior das
Forças Armadas, general Castello Branco declararia ser uma ameaça “o
desencadeamento em maior escala de agitações do ilegal poder do CGT.” [Comando Geral dos Trabalhadores].
Todas as agitações
são conhecidas em especial a “Marcha da Família, com Deus pela Liberdade",
havida em são Paulo no dia 19 de março protestando contras os rumos do governo,
saindo da praça da República encerrando na praça da Sé. No trajeto a marcha foi
sendo engrossada calculando que dela tenham participado 500 mil pessoas.
Meio fora da realidade, dissera Goulart sobre essa marcha:
“Nas grandes passeatas os cartazes não eram dirigidos contra a pessoa do Presidente ou contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos visavam a atingir o sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da tomada do poder pelos comunistas”. (2).
O jornal “O
Estado” fez menção à mão segura do
general Amauri Kruel na deflagração do golpe. Todavia, na véspera do seu
início, à noite, o mesmo Amauri Kruel, ligou para Goulart comunicando que a sua
permanência no governo ficava condicionada a ações suas no sentido de dissolver
o CGT, prender seus principais líderes e ações no mesmo sentido contra a UNE. (3).
Goulart,
lembrando suas origens, sempre ligado aos trabalhadores, recusou-se a executar
quaisquer dessas medidas. Mas, Goulart, a esses dirigentes, pedia moderação,
não sendo ouvido: “discutir métodos sim, recuar jamais.”
Manteve os anéis mas não os dedos...
O que sobra
desse período empolgante, ocorrido há 49 anos, são estudos e interpretações de
toda ordem, mas o que parece claro é que, salvo a propaganda que dava a falsa
impressão da iminência da ascensão comunista ao poder, havia um presidente
democrata indeciso, mal interpretado e mal tolerado, prejudicado por parte dos
seus aliados intransigentes e míopes quanto ao momento político que se vivia então.
Mas, os arquivos,
livros e filmes estão por aí, disponíveis, para prosseguir na interpretação
daqueles dias.
Referências:
(1) Perdi a
referência onde publicada a entrevista de Ivete Vargas, salvo engano no jornal “O
Estado de São Paulo”. Esse trecho, porém, está transcrito no meu livro “Sindicalismo
e Relações Trabalhistas”;
(2) Moniz Bandeira, obra citada na referência seguinte;
(3) Esse
diálogo é citado nos livros de Moniz Bandeira (“O Governo João Goulart, As
Lutas Sociais no Brasil (1961/1964”) e de Hércules Corrêa (“A Classe Operária e
seu partido”). Quanto a este último, afirmou tê-lo ouvido, autorizado por
Jango, numa extensão telefônica porque, naquele instante, se encontrava no
Palácio das Laranjeiras.
Foto:
“Marcha da
Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo, repudiando o discurso de João
Goulart de 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro quando anunciou as reformas
de base, incluindo a reforma agrária.
AOS INTERESSADOS NO TEMA VER / LER TAMBÉM ARTIGO CORRELATO: "JANGO: Vacilações e a deposição" DE 14.11.2013
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AOS INTERESSADOS NO TEMA VER / LER TAMBÉM ARTIGO CORRELATO: "JANGO: Vacilações e a deposição" DE 14.11.2013
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