PERSONA - JORNAL DE PIRACICABA
30.09.2018
com MILTON MARTINS
com MILTON MARTINS
‘Defesa
do respeito às minorias’
Advogado
do caso “muro do Santa Rita” fala sobre trabalho, sindicalismo e
perspectivas para o Brasil
(Foto de Claudinho Coradini/JP)
Aos 74 anos de idade, o advogado Milton Martins é um homem cuja rapidez de
raciocínio
o leva a interromper o interlocutor para apressar perguntas,
respostas ou
análises.
Sobe o tom de voz com tradicional sotaque paulistano para fazer as
interferências
argutas, que soam divertidas e não grosseiras, porque apresenta-se
como
um homem tranquilo, simpático, pacífico e bem-humorado. Tem
posições
firmes,
que parecem, porém, partir de alguém que manifesta-se movido por
convicções.
Se é fato que as enfermidades são fabricadas pelas mentes humanas,
Martins
é um sujeito para o qual pode-se projetar vida longa. Ele ganhou
notoriedade
recentemente por representar 88 moradores em uma ação popular
contra
a Prefeitura de Piracicaba, na qual a Justiça deu ganho de causa
aos
reclamantes
e determinou a derrubada dos muros que transformariam o bairro
Santa Rita
em um condomínio fechado. Antes, no entanto, já havia tido êxito
em
causa
parecida, sendo o responsável pelo fato de 38 moradores do Colinas
do
Piracicaba,
bairro transformado em condomínio fechado, terem sido isentados,
desde
2007, do pagamento da taxa mensal. Advoga em outro caso semelhante
em Piracicaba e define a atuação dele nesse tipo de ação
como “defesa do respeito às minorias”.
Filho
do industriário Dario e de Concília, do lar, Martins nasceu em São
Paulo e é o caçula de três irmãos. Mudou-se para Piracicaba em
1985, para trabalhar na Caterpillar. “E digo uma coisa bem sincera:
daqui não vou sair mais. Acho que Piracicaba é muito superior a São
Caetano, onde passei minha juventude”. Vive no bairro Nova
Piracicaba, ao lado da esposa, a professora Ana Rosa Pimentel
Martins, com quem tem cinco filhos: Milton Pimentel Martins, 48,
bacharel em Comunicação, professor universitário e funcionário
público; Otávio Pimentel Martins, 47, engenheiro eletrônico e
psicólogo; Gisele Pimentel Martins, 46, bacharel em Direito e
professora de literatura; Silvio Pimentel Martins, 44, geógrafo e
funcionário público federal; Eduardo Pimentel Martins, 41, bacharel
em Direito, graduado em Biologia e bancário.
Avô
de Susana, Caio, Vinicius, Lucah, Yarin, Sofie, Heitor e Lya, Milton
Martins é graduado em Direito pela PUC (Pontifícia Universidade
Católica) de São Paulo. Participou de “um monte de cursos e
congressos, inclusive no exterior” e atualmente tem como hobby
escrever resenhas de livros em seu escritório, do qual é possível
ouvir o canto das sabiás que frequentam as árvores frondosas da
bucólica rua em que fica a casa. Rua curta, de uma quadra e sem
saída, que alguns vizinhos pensaram em fechar tempos atrás. “Não
o fizeram muito por minha causa”, contou, revelando fazer da
conduta prática exemplo didático a uma tese para a qual advoga.
O
senhor veio para Piracicaba para trabalhar na Caterpillar, em qual
área, exatamente?
Minha
origem como advogado é no Direito do Trabalho. Vim para a
Caterpillar como assessor jurídico trabalhista. Depois fui gerente
de Recursos Humanos. Vou dizer uma coisa aqui que já escrevi para a
ouvidoria do Tribunal: hoje estranho muito a maneira como o Tribunal
está julgando. Chamam todos os advogados, de tudo quanto é lugar,
para fazer audiência de conciliação em Campinas. É uma despesa
adicional e, às vezes, é para tentar fazer acordo de uma sentença
que transitou em julgado. Isto é, ao invés de execução, tenta-se
fazer conciliação. Mas no cível eu me dou melhor. Tanto que foi o
que o trouxe aqui [à entrevista].
O
senhor ganhou notoriedade na defesa de uma causa que se estendeu por
uma década, teve grande repercussão e agora a Justiça deu ganho de
causa em todas as instâncias aos seus clientes, determinando a
derrubada do muro do Santa Rita. Como o senhor resume esta questão?
Antes,
em 2004, umas 20 pessoas entraram com Ação Declaratória contra o
fechamento do Colinas do Piracicaba. Pessoas muito emocionadas, muito
preocupadas, porque naquele bairro começou a ter muita restrição
de entrada e o tratamento dado aos que não queriam pagar era
truculento. Eles foram procurar os direitos. Um desses moradores me
procurou e foi feita uma ação em uma época na qual o Tribunal de
Justiça de São Paulo não dava nada a favor dos moradores que não
queriam pagar. O que aconteceu no meu processo é que todo mundo
parava no TJ e eu fui ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Não
vou dizer que fui o grande responsável por mudar a jurisprudência,
mas nós ajudamos a mudar jurisprudência. Tem 38 moradores do
Colinas que não pagam condomínio por causa dessa ação. Daí veio
a Ação Popular do Santa Rita, que não é um bairro que você possa
dizer que será fechado integralmente, porque tem divisas do lado de
rios, tem canavial ao fundo. Nada ali pode ser fechado integralmente.
Foi ação difícil, muito complicada e nós começamos a ganhar.
Chegou um ponto de ir parar no STF (Supremo Tribunal Federal). A
prefeitura não cumpriu a legislação que deveria, a associação
(de Moradores do Santa Rita) também não cumpriu. Conseguimos a
liminar. Vou dizer modo categórico: os muros foram um negócio
improvisado, um desastre. E o pior de tudo foi o que fizeram na
avenida Concepcionistas. Aquilo não tem cabimento. O muro termina e
tem uma subida para pedestres ao lado. Isso é um absurdo. Prejudicou
o pessoal do Santa Rita Avencas. Eles (da Associação de Moradores
do Santa Rita) estão me criticando lá, mas precisam entender que
aquilo foi um desastre.
O
senhor é contra condomínio fechado?
Não.
Se o condomínio nasce fechado, não tenho objeção. Os casos em que
atuo são casos em que os moradores moram no bairro há 30 anos e me
procuram indignados pelo fato de que terão de pagar para morar.
Minha atuação é em defesa do respeito a minorias. Porque a coisa
era na base do “vá procurar seus direitos”. Teve gente que
chorou no meu escritório. Tentaram fechar a rua que moro aqui [na
Nova Piracicaba] e não deu certo por minha causa, de certo modo.
No
caso do Santa Rita, ao defender a minoria do trecho que seria
fechado, o senhor acabou por defender a maioria, que são os
moradores do entorno que tiveram suas rotinas afetadas pelo muro?
Sim,
porque no Avencas estavam todos reclamando. Quando os muros foram
feitos, aquilo virou beco. Entrava CPFL, um poste estava fora, o
outro estava dentro, entrava uma ambulância e não achava as ruas,
por causa dos muros. Foi desastroso! Tem outra ação bem parecida
com essa em andamento. A prefeitura é muito descuidada. Ela está
preocupada em fechar o bairro e se eximir dos serviços. Nesta outra
ação, o que aconteceu: a diretoria nem tem mandato e a prefeitura
que também não cumpriu com tudo que tinha que cumprir, fez o
processo administrativo rolar normal e publicou o decreto, com um
monte de irregularidades. A prefeitura está fazendo as coisas
desencontradas. Tem isenção de três salários mínimos, mas lá
tem gente que ganha cinco e não pode pagar. O morador já está
idoso e recebe a informação que tem que pagar. O que é isso?
Atribuir à associação o direito de tributar?! A prefeitura dá
desconto [nos impostos]? Nenhum. Muito pelo contrário. Ela transfere
para os moradores o serviço.
O
que o senhor achou da mudança na legislação trabalhista,
principalmente no que diz respeito ao ponto que faz o funcionário
ter de pensar muito antes de acionar a empresa porque, se perder ou o
juiz entender que houve má-fé, o empregado pode ter uma despesa
altíssima?
Olha,
eu acho que está um pouco exacerbado. Mas vou te dar um exemplo: fui
advogado de uma empresa pequena de Piracicaba, que tinha negócios em
Vitória, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Para evitar problemas
nessas praças, ela pagava tudo. Sabe o que é tudo? E o pessoal
entrava com uma reclamatória, pedindo R$ 20 mil reais. Aí o
empresário me falava: Milton, mas eu paguei tudo e o cara quer R$ 20
mil?! Tínhamos que ir lá e, na primeira audiência, fazer acordo de
R$ 2 mil para não ter que voltar. Foram praticados abusos. Então,
acho que a legislação não é ruim. Ela é boa, no geral. Quer ver
um outro exemplo, porque eu escrevi um livro sobre sindicalismo. A
contribuição sindical é uma briga que vem da década de 1950. Isso
sustentou um monte de mordomia de sindicalista até agora. Agora
parou e houve um impacto muito grande. Mas a contribuição sindical
é outra coisa que não poderia continuar.
O
livro que o senhor escreveu é crítico ao sindicalismo?
Esse
livro (Sindicalismo e Relações Trabalhistas) poderia ter sido minha
obra-prima. Nasceu na GM de São Caetano, quando atendia o sindicato.
No meu tempo, o sindicato era atendido lá na portaria. Eu que ia
atender. Comecei a me interessar pelo sindicalismo. Peguei a greve de
1978, na qual surgiu o Lula. Conheço o Lula antes de tudo isso,
quando ele era diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo. Depois acompanhei todas as outras greves e ali nasceu este
livro, que é histórico, inclusive. Publiquei quatro edições (a 1ª
foi lançada em 1985 e a 4ª em 1985). Amigos que ministravam cursos
em São Paulo adotaram o livro. É um livro histórico, técnico e é
instrutivo. Dá lições sobre negociações coletivas. Conta também
minhas experiência nos Estados Unidos. Recebi também um material do
consulado da Alemanha.
E
qual a avaliação que o senhor faz do sindicalismo praticado no
Brasil em comparação ao que viu no exterior?
É
muito sindicato. Muita mordomia. Há tempos, escrevi um artigo para o
Jornal de Piracicaba sobre o Primeiro de Maio. Critiquei a
contribuição sindical. Disse que a única coisa que a contribuição
proporcionava aos sindicatos, além da mordomia deles [diretores],
era a geração de empregos. Bem ou mal, geravam empregos para
caramba. Agora ouvi dizer que diminuiu porque caiu a receita. Teve
uma época em que fui empolgado com o sindicalismo, depois cansou,
houve abuso, aí entrou a questão política.
O
senhor não acha que os brasileiros parecem pensar por extremos.
Tínhamos uma situação que favorecia muito sindicatos, entidades de
classe. Aí o povo parece ter pego aversão e aí resolve defender o
extremo oposto, um liberalismo total. Vemos a própria classe
trabalhadora defender a redução dos seus direitos, defender o fim
de sindicatos. O senhor não acha isso perigoso, uma vez que,
desunidos, os trabalhadores perdem muito o poder de negociação?
O
liberalismo como “ideologia” não significa o lucro e a
exploração aos menos favorecidos, mas a liberdade de ação dentro
da lei e da ordem, respeitando os interesses sociais e da população.
O êxito da atividade industrial significa o fortalecimento da
economia e, com o fortalecimento da economia, os empregos e o
bem-estar social possível ou até superior. O liberalismo exacerbado
tem uma tendência de preservar o ser humano. Não é só lucro,
lucro, lucro. Se não tiver o ser humano para comparar, não
funciona. É a lei do pêndulo. Vivemos uma experiência com o
esquerdismo que não deu certo.
O
senhor acha que nós vivemos um esquerdismo ou um populismo?
Conceitua-se
o PT como populista e realmente assim se comportou principalmente
pelo seu líder máximo, o Lula, que se tornou uma figura pública
nacional após negociar acordo representando os grevistas com as
automobilísticas nas greves de 1978. Populismo significa, entre
tantas outras definições, atitudes políticas de líder carismático
que promete muito, realiza pouco e explica que mais não fez até por
culpa de adversários, e garante que aquilo que foi feito foram
medidas importantes. Agora, o populismo não autoriza a corrupção,
como se deu de modo exacerbado nestes últimos anos. Junto com o
populismo, veio o esquerdismo universalizado com Foro de São Paulo,
o financiamento brasileiro a países como Cuba, Venezuela, Nicarágua.
O Brasil assumiu, sim, uma posição esquerdista. E digo para você
que o esquerdismo no Brasil foi tão ruim que houve corrupção
grossa. Poderiam ter mudado o país pela esquerda, mas deu no que
deu. Foi um esquerdismo irresponsável.
Como
o senhor avalia o momento político atravessado pelo Brasil hoje. Já
vivenciou crise parecida?
Nunca
vi momento mais conturbado nos últimos 40 anos. Esse estado de
gravidade não ocorreu nem nos tempos do Sarney, um incidente
político infeliz para o país, com 80% de inflação. E na classe
média, principalmente do Sudeste, me parece que há oposição à
ideologia de gênero. Concentrando em tudo o que tiver de excessos na
área sexual. Isso tudo, para mim, afeta o quadro eleitoral e o
Bolsonaro cai exatamente nessa questão. Está uma confusão. Ninguém
sabe exatamente qual caminho seguir. Alguns defendendo o Lulismo,
outros abominando o Lulismo. É um quadro que eu nunca vi igual. Do
ponto de vista ideológico, nunca vi igual.
Qual
a perspectiva que o senhor tem para o Brasil?
Se
o PT ganhar, esse quadro esquisito vai continuar. Talvez eles não
façam mais as falcatruas que fizeram, os desvios de valores como
aconteceu na Petrobras. Talvez sejam um pouco mais ajuizados, mas não
muda o quadro que está aí. Se for o Bolsonaro ganhar, será uma
incógnita. Não pense que ele vai chegar lá e fazer tudo o que está
dizendo, não. Tem o Congresso Nacional. Ele não vai conseguir dar
golpe. E não vai conseguir, porque o golpe não seria nem aceito no
exterior. Os militares já disseram que não encampam. Ele vai ter
que governar com o Congresso Nacional. A coisa não vai ser tão
dramática. Temos o Congresso, o Supremo, que tem uma parte de
esquerdista. Tem todos esses ingredientes. Ele vai ter que respeitar
o Congresso. Decreto Lei era no tempo dos militares.
Dizem
que quem não compõe com o Centrão antes tem que compor depois, não
é?
Não
é mentira. O que pode ocorrer com o Centrão é não ser tão
descarado como foi no tempo do PT. Tempo do “toma lá, dá cá”.
Escrevi no Jornal de Piracicaba em 2006. O Brasil se chamou Estados
Unidos do Brasil até 1966. Os Estados Unidos têm 100 milhões de
habitantes a mais e um pouco mais de senadores que aqui. Se fizermos
a proporção, o Brasil deveria ter 300 deputados e 57 senadores.
Temos muito coisa para fazer nesse Brasil e não sei se a sua geração
[do repórter] vai assistir.
O
senhor tem esperança de o Brasil mudar de patamar de ser o país do
futuro que a geração do senhor cresceu ouvindo que seria?
Na
década de 1960, tínhamos ganho duas Copas do Mundo, tínhamos a
Bossa Nova, a construção recente de Brasília, a indústria
automobilística. Parecia que seríamos realmente o país do futuro.
Agora, temos o Brasil que continua esperando. Quem sabe uma mudança
à direita seja uma maneira diferente de se enxergar. Talvez quando
você estiver com 60 anos [o repórter tem 41], esse pessoal crie
juízo [risos].
O
que pensa sobre a terceirização, que agora foi aprovada de forma
irrestrita?
Você
pode terceirizar tudo, mas tem que escolher uma empresa que tenha
idoneidade, porque se a empresa que você contratou não pagar recai
para você. Não mudou nada. Pela lei, diz que tem que pagar o mesmo
salário da empresa. O que a empresa contratante faz é se livrar de
pepinos e do ponto de vista contábil deve ser melhor. Paga uma
fatura e pronto.
Conte
um pouco sobre o seu hobby pela leitura, que resultou em um blog com
resenhas literárias.
No
meu blog (resenhadoslivrosqueli.blogspot.com) já resenhei 50 livros.
Estou trabalhando agora na de Os Sertões, de Euclides da Cunha, que
estou acabando de reler e refazer a resenha. É um livro que todos
falam que leram, mas poucos leram realmente. Eu escrevi também um
livro que mistura uma parte autobiográfica com romance, chamado
Joana Dart. Estou escrevendo outro que chama Pordo. O nome vem de
Leopoldo, que foi uma pessoa real, um pobrezinho. Joana d'Art também
se dá na favela, na cadeia feminina, que na época era em
Charqueada. Foi um livro que me deu bastante prazer também.
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