sexta-feira, 2 de abril de 2010

CRÔNICA SINDICAL (com GEISEL & LULA)

01/04/2009 

 Datas significativas, ainda que de interesse meramente pessoal, de regra comemoram-se em aniversários redondos ou quando se completam quinquênios. Mas ocorreu-me, ao saber em fase final de produção a cinebiografia de Lula, relembrar eventos nos quais tive experiências pessoais e que ficaram e ficarão comigo como valiosas. Tudo começa em abril de 1977, há exatos 32 anos. Com a movimentação sindical perceptível que se dava já em São Bernardo do Campo alguns dirigentes de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas, a maioria influente, reuniram-se num hotel em Serra Negra (SP) e já deixando de cochichar não mais tão preocupados com os ouvidos das paredes, vislumbravam alguma abertura política com Geisel, lançando esse grupo, então, uma pergunta até presunçosa: “o que fazer ou esperar do sindicalismo brasileiro?” À noite, na hora do jantar tudo o que se discutira recebera um “balde de água fria”: Geisel assinara o denominado “pacote de abril”, que entre inúmeras medidas, instituiu senadores biônicos, a continuidade de eleições indiretas para governadores, fechamento do Congresso por alguns dias, etc. Esse grupo encolheu-se nas reuniões do final de semana e o encontro promissor esmaeceu bastante. Houve, porém, um sentido premonitório em Serra Negra. Um ano depois, maio de 1978, eclodiu a greve na Scania, um movimento iniciado sem a participação do sindicato, que se estenderia por todo o Estado de São Paulo com reflexos no País todo. Estava eu na fábrica de Santo André da Chrysler e sei do desgaste que significou essa greve para todos os empresários e para mim mesmo. Lula, despontando como negociador natural dos grevistas, tornou-se o ídolo da imprensa obtendo a partir daí, renome internacional. O acordo nasceu a partir do SINFAVEA, da indústria automobilística, o mais lúcido sindicato patronal, encerrando-se o histórico movimento. Em 1980, no dia 2 abri, em uma assembléia no Estádio de Vila Euclides, pequeno estádio de futebol em São Bernardo do Campo, acompanhada por cerca de 100 mil metalúrgicos e suas famílias, para decidirem a continuidade da grave, num momento dado helicópteros do Exército sobrevoaram ameaçadoramente o local, rasantes, transportando soldados armados de metralhadoras com a notória intenção de intimidar todas aquelas milhares de pessoas reunidas nas arquibancadas e no gramado ralado. Não houve pânico. Aquela massa fora alertada por Lula, de que tudo não passava de intimidação. Que esperassem. Em resposta ao ruído ensurdecedor dos helicópteros que acobertara os discursos, toda aquela massa passou a cantar o Hino Nacional acenando para o alto com bandeirinhas brasileiras. Se houvesse pânico poderia ter se transformado numa tragédia. Esses eventos não poderiam passar em branco. No dia seguinte, pelas dez horas, tirei a gravata e rumei para o estádio para assistir à assembléia. Mantivera-me preocupado durante todo o trajeto, porque me aproximaria de operários tensos. Muitos poderiam me reconhecer. Bem ou mal representava o capital, o patrão. À minha chegada, o movimento na frente do estádio já era intenso, homens, mulheres e crianças com semblantes carregados, rumavam em direção ao portão principal. O estádio de pequeno porte já estava lotado tanto nas arquibancadas como no gramado. No meio dele, um palanque onde os líderes discursariam. Com muito cuidado escondido num canto ao lado do portão que dava acesso ao gramado esperava os acontecimentos. Havia a desconfiança de que, pelo ar, os helicópteros voltassem com aquele ruído ensurdecedor e rasante. Mas, tal não se deu. Os discursos foram de duras críticas à evolução dos helicópteros do dia anterior. E, em lugar de intimidar, a greve prosseguiu mais forte com adesão jamais vista perdurando por semanas. Nascera ali o fenômeno da autoridade, o avesso do autoritarismo reinante nas hostes oficiais. Com esses movimentos começava uma mudança até radical que não poderia ser contida na vida política do país. Não havia armas empunhadas para revidar a forte repressão policial. O autoritarismo estava em xeque. Divisando essa possibilidade, os próprios executivos de muitas empresas torciam pelo êxito da greve, admirados com a coragem de Lula em enfrentar os militares, porque em 1979, coincidindo com a posse de Figueiredo, seu sindicato deflagrara uma greve com intensa adesão e muitos episódios empanaram o brilho da transmissão da faixa presidencial. Vieram depois os movimentos populares, “diretas já” e outros. Já fora da empresa, tempos depois, para sentir o clima, no auditório do sindicato assisti o documentário “Linha de Montagem”, importante relato cinematográfico dos episódios de 1979 e 1980 em São Bernardo do Campo. Fortalecera aí meu interesse pelo sindicalismo. Daí meu livro, nas primeiras edições com muita timidez, porque a editora tinha em seus quadros, então, juristas consagrados. A quarta edição reescrita às pressas, não andou bem, porque um amigo de “guerra e garra” (Edmir de Freitas Garcez) deixara de adotá-lo no seu prestigiado seminário “Negociando com negociadores”. Talvez tivesse essa edição melhor sorte fosse a editora menos conservadora. E o livro melhor, claro. Poucos anos depois, nos Estados Unidos, com meu inglês “macarrão”, dialogando com um velho americano profissional de relações trabalhistas sobre a possibilidade de Lula ascender um dia à Presidência da República, revelara o meu ceticismo e arrogância, respondendo até mesmo que a pouca cultura do sindicalista seria uma barreira incontornável. E também suas amizades de botequim, reduto de todos aqueles sindicalistas depois das assembléias, movidos a “branquinha”, como diziam (“Quando for, me chame, pra tomar um mé” - da letra de “Linha de Montagem” que Chico Buarque compôs para o documentário que recebeu esse mesmo nome). E quanto essa branquinha inebriante influenciou o PT e parte do governo Lula! Mas, se sobrepondo à filosofia do botequim, havia sempre, suprindo a falta de cultura, o discernimento e a inteligência e, principalmente, a coragem de Lula. E, na verdade, não dera eu valor a esses pontos, então. Esse americano que acompanhava o movimento sindical no Brasil, fez um sinal de dúvida à minha resposta simplista. Pensava com seus botões, quem sabe, na ameaça de uma possível república sindical-socialista brasileira com Lula no poder. Sempre houve rumores de que a ascensão de Lula fora um “achado”, para o general Golbery do Couto e Silva, o influente chefe da Casa Civil de Geisel, que não lia na cartilha da “linha dura” e articulava a denominada “abertura lenta e gradual”. Lula atuaria, então, no flanco sindical, “útil” nesse objetivo. No seu livro de memória, Geisel se referira a Lula com condescendência, embora o qualificasse de “espantalho” para justificar seu voto em Collor. (“Ernesto Geisel”, org. por Maria Celina D‘ Araujo e Celso Castro –FGV. Ed./1997). Quando inquirido sobre as greves lideradas por Lula, disse Geisel que o País vivia tranqüilo mas começava a ser perturbado por elas: “Eram fatos desagradáveis, mas que faziam parte da liberdade que a distensão procurava assegurar”. Mais revelador, se haveria problema no âmbito militar, vencendo Lula as eleições de 1994: “Não, mas vivandeiras que rondam os quartéis, como dizia o Castelo, virão insuflar a área militar. Os políticos, os industriais, o alto comércio, etc., começarão a procurar os militares e a encher a cabeça deles para derrubar o governo.” Por isso, lembro-me sempre daquele americano idoso, supervisor de relações trabalhistas de uma multinacional americana, porque mesmo estando tão longe detentor, quem sabe, de informações de bastidores provindas sabe lá de quais fontes, com simplicidade admitira a possibilidade da ascensão política de Lula, sobrepujando a minha perspectiva tão perto que estava do movimento sindical. Creio que essa condescendência dê sentido a elogios ocasionais que faz Lula aos tempos dos militares, embora se atenha a comentar o pleno emprego da época. Creio mais que Lula teve quem abrisse seu caminho à presidência, o próprio Fernando Henrique Cardoso o verdadeiro interlocutor da democracia brasileira que com seus diplomas e prestígio intelectual informou ao mundo que o Brasil mudara e que nada mais alteraria o rumo democrático, mesmo com Lula. E quanto do governo Lula se baseia na cartilha de se antecessor! Lula terá agora sua merecida cinebiografia porque sua vida teve muitos desafios vencidos. Os méritos são indiscutíveis também nas contendas pró-renascimento do sindicalismo brasileiro e até mesmo como agente pró-abertura democrática no Brasil. Quanto ao seu (s) governo (s) como Presidente da República, oportunidades de análise surgirão. Quem sabe, com as devidas limitações eu mesmo faça.

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