29/03/2010
O processo do casal Nardoni que resultou em sua condenação, foi emblemático e sobretudo didático. O advogado de defesa fez o seu trabalho com eficiência e dignidade, não se justificando sob qualquer argumento as agressões que sofreu.
Explicação
Há casos criminais que agridem tanto a consciência comum que se transformam em drama nacional, explorado à exaustão pela imprensa. É o caso da morte de menina Isabella. Suas fotos refletiam o riso e o ar angélico que a todos cativara.
Eis que, passado aquele primeiro impacto de sua “queda” do 6° andar, a partir do momento em que as investigações se voltaram para a possibilidade de ser o criminoso o próprio pai e cúmplice a madrasta a reação popular não poderia ser outra: como tiveram coragem para tal crime? Onde o amor paternal? Haveria alguma qualquer causa, por pior que fosse, que pudesse justificar crime tão bárbaro? Essas as indagações que todos faziam.
As provas foram se fechando e nada restou senão o casal apontado como suspeito e, pelo júri popular, culpado do crime.
Foi, sim, uma batalha judicial, com dois competentes litigantes, o promotor Francisco Cembranelli empunhando provas contundentes, tal qual Zeus e seus raios e o advogado Roberto Podval na defesa tentando desqualificá-las.
Podval fez o seu trabalho com empenho e dignidade. As agressões que sofreu decorreram do calor do debate no júri e da ignorância de muitos que não entendem o papel do advogado de defesa.
Já ouvi por aí, outras vozes desavisadas: “se o casal Nardoni fosse pobre, esse crime estaria esquecido nos escaninhos do tribunal e, quem sabe, até absolvido”.
Felizmente não foi assim. O processo eclodira pelas circunstâncias e as provas que foram se constituindo e fechando o cerco, mesmo sem testemunhas.
Por toda a repercussão e a condenação final, além de emblemático, o processo foi didático, um alerta para os pais e responsáveis que desrespeitam ou agridem seus filhos e as crianças sobre seus cuidados.
A Justiça tem tudo para arrumar este país de abusos e de abusados.
Não sou advogado criminalista. O artigo com timbres de crônica abaixo se refere também aos advogados criminalistas. Eu o escrevi há anos para outro veículo. Mantive o texto praticamente intacto. Mesmo os filmes mencionados ainda são exibidos nos canais a cabo o que não tira a sua atualidade.
Dilemas do advogado
O advogado no exercício de sua profissão, se sujeita a uma série de regras legais que o perseguem e o escravizam. Escravo de prazos processuais, absurdos às vezes e de horários rígidos, porque tem ele que estar na hora aprazada da audiência marcada, ainda que, presente, ela se atrase indefinidamente.
Dentre as profissões, talvez seja a que mais o código de ética seja invocado, porque ela congrega profissionais cujo trabalho é de natureza conflituosa e, por isso, não há muito lugar para o corporativismo, a autoproteção. Assim, o código de ética ronda e controla seus passos, porque a denuncia justa ou não à sua Ordem, pode vir dos próprios colegas, dos cidadãos, dos juízes...
Rebuscando essencialmente as coisas do mundo, de regra o vil metal, o advogado tem também seus momentos de ventura, quando o combate disputado com lealdade e firmeza resultou na vitória final. E a notícia dada ao cliente pode exultá-lo na mesma proporção, ou simplesmente receber dele uma fria congratulação. Pois não fizera mais que sua obrigação?! Mas há, também, o combate perdido e, ao informar o cliente, as explicações são muitas - e há casos em são elas incompreensivelmente técnicas para o leigo - e as reações podem ser despropositadas.
Quão difícil é também explicar a Justiça tardia!
E os problemas de consciência?
Trata-se de um sentimento que muito persegue o advogado. E ele se manifesta em procedimentos diversos, mas com maior ênfase na área criminal, porque o crime pode ser hediondo, bárbaro. E lá está o advogado falando por seu cliente acusado.
Essa sua postura se resume ao cumprimento de seu dever profissional e, nessa sua busca em resolver as coisas do mundo depara-se realmente com as misérias humanas, com mentes sórdidas jamais imaginadas, nem mesmo pelo mais fértil escritor de ficção. Se se põe a "filosofar" a respeito delas pode até acreditar que o acusado está um pouco abaixo do grau mínimo admitido para o ser humano. Seria apenas um louco? Ou alguém trazido a este mundo "por engano" tal seu estado selvático, nessa linha meio insondável do fenômeno do nascimento, da vida e da morte? Ou corporifica apenas a famosa figura do "criminoso nato" de Lombroso? (1)
Seus problemas de consciência, quanto à culpa do acusado podem ser amenizadas pelo mandamento constitucional:
"... aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (Artigo 5° - inciso LV).
As contradições entre a prevalência da consciência e do empenho profissional se manifestam soberbas em dois filmes que explanam o tema. O primeiro deles, com muito suspense, tem o título de "Cabo do Medo", no qual o egresso da prisão, depois de anos preso, persegue implacavelmente o advogado que o teria defendido com displicência eis que se tratava de um notório delinqüente:
- Se havia atenuantes, porque não as explorara?
O outro filme, "O Advogado do Diabo" de certa maneira denigre a imagem do advogado, ao retratá-lo envolvido com forças marginais, vacilante quanto à sua consciência diante da notória culpa de um assassino frio, que passara a defender incondicionalmente, mesmo desconfiando da qualidade das provas de que se valia.
Embora possa parecer aos menos avisados tratar-se de um filme blasfemo em relação aos desígnios de Deus, para mim, ao contrário, fora bastante "religioso" ao dar imagens monstruosas a todos os tipos de patifes que desfilavam pela história. No caso, o advogado, "heroi" da história, pela causa que acabara de abraçar, indiferente a certos sinais, acabou por "vender" a própria esposa que amava. “A lei da causa e efeito”.
Ora, fora notória a falsa versão que prevalecera no tribunal, resultando na absolvição do acusado. Mas, e o problema de consciência? Ora, o que interessava era a causa, porque "eu sou advogado !" gritara ele. Por fim, após beirar o inferno, a ela se submete, tendo uma oportunidade de "redenção", mas não anula a vaidade, que pode se constituir num fenômeno turvador de muitos chamados de consciência, essa voz que nos chega dos recônditos superiores da interioridade.
Transportando essas indagações para o dia-a-dia, como resolve o advogado suas angustias pela defesa duma causa injusta que deverá abraçar por dever de ofício?
Trata-se de um dilema de vida que tantas vezes o perturba diante daquelas misérias humanas já mencionadas. Antes de se decidir, ele consulta agora seu Código de Ética e lê:
"É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado".
Num suspiro, tende a abraçar os desígnios de sua profissão da qual vive ou sobrevive e vai em frente...
E nessa sua decisão deparar-se-á certamente com aquelas contradições que o assaltam a cada repasse no processo que defende e que o desafia.
Que ninguém o acuse ou aponte o dedo por isso. A profissão do advogado é muito difícil, complicada às vezes, e as misérias humanas e suas faces são tantas e tantas que também o agridem
Há muitas piadas de advogados que os colocam nas hostes do inferno. Eles são santificadas quando vencem uma causa difícil mas justa. São apontados como profissionais diferenciados, exemplos. Coisas da vida e da profissão.
Referência:
(1) Cesare Lombroso, cientista italiano (1835/1909), cuja teoria defendia que “certos homens, por efeito de uma regressão atávica, nascem criminosos, como outros nascem loucos ou doentios” (Basileu Garcia, “Instituições de Direito Penal” – vol. I). Suas teorias com o tempo foram abandonadas.
Caro Milton,
ResponderExcluirexcelente idéia, que seguirei com prazer, a de manter seus artigos num só sítio. Há um acervo de inestimável valor, nestes textos. Retratam uma visão analítica do momento histórico em que vivemos.
Parabéns.