01/02/2010
Análise dos desdobramentos que se deram após a polêmica maior da divulgação do PNDH.
Disse no meu artigo de 12.01.2010 neste portal que o PNDH continha algumas virtudes, algumas propostas programáticas interessantes, mas que foram obscurecidas pela prospectiva de praticamente revogar a Lei da Anistia, acenar para a censura aos meios de comunicação e protelar a solução judicial para a reintegração de posse nos casos de invasão de áreas rurais. (1)
Há outras proposições de discutível oportunidade, mas essas dominam o debate ainda.
O jurista Ives Gandra da Silva Martins é notório crítico do Programa como de regra qualquer cidadão consciente dos problemas brasileiros e que se apegam à democracia.
Num artigo que publicou no último dia 30 na “Folha de São Paulo” ele encerra seu artigo crítico ao Programa, com a frase seguinte:
“Certa vez, ao saudoso crítico Agripino Grieco um amigo meu (Dalmo Florence) apresentou livro de poesia recém-lançado, pedindo-lhe a opinião. No dia seguinte, Agripino disse-lhe: "Dalmo, li o livro de seu amigo e aconselho a queimar a edição e, em caso de reincidência, o autor". Sem necessidade de adotar a segunda parte do conselho agripiniano, a primeira seria admiravelmente aplicável a esse programa de direitos desumanos.” (2)
Essa frase final do artigo não tem nada de excepcional. Analisando-a no seu sentido real, o que propunha o articulista, tantas eram as incorreções do Programa, que o melhor seria deixá-lo de lado como se fora um “palpite infeliz”.
Nada além disso.
Acuado que esteve ou está o Secretário Especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, com o seu programa, aproveitou-se dessa frase para externar um despautério no Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Diz a notícia:
"Em um dos ataques, um jurista, em artigo na Folha, chega a dizer [sobre o PNDH], fazendo piada com a história de um livro, "queime o livro de poesia e, se o autor insistir, queime o autor". Ou seja, eu não tinha lido nos últimos anos uma confissão tão clara de que, se for preciso construir o DOI-CODI de novo, vamos construir o DOI-CODI de novo", disse Vannuchi, em Porto Alegre. (3)
Talvez a frase de Ives Gandra fosse dispensável, mas a partir dela fazer ilações de se chegar até o DOI-CODI, constitui-se uma bobagem inominável.
E depois, num outro trecho da notícia, negando a intenção de revogar a Lei da Anistia, disse:
“Basta ler, está lá [no PNDH], com todas as letras, né, observadas as disposições da lei 6.683”. (4)
O que se dá na espécie é que a Lei da Anistia é de 1979 e foi promulgada num contexto tumultuado, sem se pensar, então, na sua eventual “revisão”, mais de 30 anos depois, em nome da “verdade”.
Ora, do modo como colocado na PNDH, tudo o que ela não regulou então, é passível de revisão. Não havia, por exemplo, ressalva expressa de incluir os torturadores, como não havia aos guerrilheiros dos vários movimentos que empunharam armas. Considerando que o foco no PNDH fora somente contra os torturadores, do modo como está, a Lei poderá permitir que se questione sua abrangência. Mas, claro que, ao explodir pela pressão esse caldeirão, sobrará também para militantes que empunharam armas e fizeram das suas.
Não haveria reconciliação “coisa nenhuma”. Haveria a reabertura de feridas cicatrizadas por cortes profundos.
Assim, essa tese de que não haveria a revogação da Lei da Anistia é historinha para ser contada à velhinha de Taubaté que talvez acreditasse, embora acredite o seu criador.
Essa Lei, pois, tem flancos abertos suscetíveis de serem explorados não no sentido da reconciliação em nome da “verdade’. Tem-se usado a palavra “revanchismo”, para os desdobramentos que adviriam.
Por isso, encaro com naturalidade o parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurgel dado no processo da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional proposto pela OAB, que questiona a aplicação da referida Lei aos torturadores dos tempos da ditadura. Este trecho:
“Se esse Supremo Tribunal Federal reconhecer a legitimidade da Lei da Anistia e, no mesmo compasso, afirmar a possibilidade de acesso aos documentos históricos como forma de exercício do direito fundamental à verdade, o Brasil certamente estará em condições de, atento às lições do passado, prosseguir na construção madura do futuro democrático.” (5).
Para o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, se não validar o STF a punição aos agentes públicos que cometeram torturas e assassinatos naqueles tempos, estaria o Brasil descumprindo tratados internacionais sobre Direitos Humanos, que proíbem a tortura. Disse ele:
"Se consideramos o crime de tortura um crime político, perdoável, vamos estar legitimando os torturadores de ontem, de hoje e de amanhã." (6)
Esse posicionamento, filosoficamente, está fora da quadra atual, ao se referir à legitimação dos torturadores de hoje e amanhã.
A tortura é coibida na Constituição. Dela hoje estamos livres salvo eventos que se dão furtivamente nos ambientes policiais aqui e acolá. Os de amanhã, só com a ditadura. Aliás, o PNDH tem alguns desvios nesse sentido, principalmente na censura à imprensa.
Para nossa sorte, Hugo Chaves, o desequilibrado presidente da Venezuela vem se afundando na sua ditadura bolivarista.
Referências:
(1) “Programa Nacional de Direitos Humanos – A proposta de revogação da Lei da Anistia”;
(2) “Folha de São Paulo” de 22.01.2010;
(3) Blog: http://desabafopais.blogspot.com (28.01.2010);
(4) Jornal “O Estado de São Paulo” de 28.01.2010;
(5) Já havia defendido essa solução (abertura dos arquivos) no meu artigo de 10.05.2009: “Anistia: a lei que precisa calar”;
(6) “Consultor Jurídico” (Conjur) de 30.01.2010.
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