14/06/2009
Como uma droga que vicia e faz mal à saúde se mantém no mercado, de modo silencioso mas esbanjando “vitalidade” industrial. (advirto, como faço às vezes, que esta matéria é longa, “porque não houve tempo de ser mais curta").
O cigarro foi – em alguns momentos mais raros ainda é – um coadjuvante importante do cinema americano. Ou elemento de ligação de cena, ou para dar um sentido de elegância (charme) com aquela sensação de prazer ou até mesmo para aumentar o nível de fumaça nos filmes “noir”.
Vagarosamente, com as denúncias crescentes dos malefícios que suas drogas produzem à saúde desde 1964, foi ele perdendo espaço no cinema. Nos Estados Unidos, a indústria tabagista responde a processos milionários acionados por fumantes e ex-fumantes que tiveram sérios problemas de saúde provocados pela nicotina.
Recentemente o Congresso Americano, sancionadas por Barack Obama aprovou novas medidas legais reforçando ao consumidor o alerta dos malefícios à saúde com o consumo do tabaco em letras maiores nos maços de cigarros e, a partir de 2012, como já ocorre no Brasil, a inserção nos mesmos de imagens gráficas. Igualmente restrição à propaganda do cigarro em locais de venda, com anúncios sóbrios (não coloridos) e outdoors longe de escolas infantis.
Em 1983, a Souza Cruz, líder na produção de cigarros, ao comemorar 80 anos de produção tabagista no Brasil, inseriu suplementos em oito edições da revista “Veja”, nos quais mesclara sua própria evolução com fatos históricos relevantes da vida social e política brasileira. O início da empresa, timidamente, se deu em 1903 por obra do português Albino Souza Cruz, no Rio de Janeiro.
Nos seus 80 anos, proclamava-se a Souza Cruz a maior contribuinte tributária do Brasil, informando que de cada cigarro vendido, o valor líquido que amealhava era de 14,79% e 9,24% para o revendedor. O que restasse da receita eram impostos lançados sobre o produto.
Depois dessa comemoração portentosa, com o passar dos anos, a insistência com que passou a ser apontado o cigarro como danoso à saúde, começou a gerar um incômodo a tolerância da propaganda das empresas tabagistas: “as terras de Marlboro”, “com meu “Villa” gosto de levar vantagem, certo? - a frase que estigmatizou o jogador Gerson e que se tornou, a frase, sinônimo de malandragem, a “lei da vantagem”.
Em 1996, pela Lei n ° 9294, fundamentando-se no artigo 202, §4° da Constituição, teve início restrições ao cigarro, vedando seu consumo em ambientes coletivos, públicos ou privados, repartições públicas, hospitais, bibliotecas, salas de aulas, etc. (art. 2º).
Em 2001 houve alterações nessa Lei para restringir a propaganda, que passaria a ser moderada e limitada a pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda não induzindo ao consumo exagerado e, principalmente, dissociada de práticas esportivas e, nos maços, advertências e figuras demonstrando os malefícios dos cigarros e assemelhados
Culminando, por estranha coincidência com o centenário da Souza Cruz – ela foi fundada oficialmente em 03.02.1903 -, adveio a Lei n° 10.702 de 14.07.2003 que estabeleceu novas alterações na Lei n° 9294/96.
Por essas alterações, qualquer transmissão pelos meios de comunicação provinda do exterior promovida pela indústria fumageira, haveria que
“A cada intervalo de quinze minutos será veiculada, sobreposta à respectiva transmissão, mensagem de advertência escrita e falada sobre os malefícios do fumo com duração não inferior a quinze segundos em cada inserção, por intermédio das seguintes frases e de outras a serem definidas (...), usadas seqüencialmente, todas precedidas da afirmação "O Ministério da Saúde adverte":
I – "fumar causa mau hálito, perda de dentes e câncer de boca";
II – "fumar causa câncer de pulmão";
III – "fumar causa infarto do coração";
IV – "fumar na gravidez prejudica o bebê";
V – "em gestantes, o cigarro provoca partos prematuros, o nascimento de crianças com peso abaixo do normal e facilidade de contrair asma";
VI – "crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando";
VII – "a nicotina é droga e causa dependência";
VIII – "fumar causa impotência sexual".
No portal da empresa Souza Cruz, há a seguinte nota sobre o vício do cigarro e os malefícios à saúde:
“As autoridades de saúde pública, a comunidade médica e toda a mídia têm divulgado, há décadas, a informação de que fumar está associado a doenças, encorajando as pessoas a parar de fumar. Além disso, numerosas regulamentações têm sido introduzidas pelas autoridades ao longo dos anos e todas as embalagens de cigarros contêm cláusulas de advertência. Portanto, é possível concluir que, há muito tempo, existe um alto nível de consciência da população sobre os riscos do ato de fumar ligados à saúde. Por isso, a Souza Cruz acredita que a decisão de fumar deve ser tomada por adultos e apóia o direito de adultos informados desfrutarem do prazer de fumar.”
Se o cigarro é tudo isso, se é causador de tantos malefícios, como essa indústria se sustem?
Talvez a resposta esteja nestes elementos:
“Na produção de fumo, são cerca de 39 mil famílias de produtores integrados, que recebem assistência técnica da companhia. Além do processamento de fumo para fabricação própria, destinada ao mercado nacional, o sistema de produção integrada da Souza Cruz proporciona mais de 127 mil toneladas de fumo para exportação, atendendo a mais de 50 países.”
E também:
“A Souza Cruz gera em torno de 240 mil postos de trabalho envolvidos na cadeia produtiva. Destes, sete mil são empregados diretos e três mil são safreiros, contratados por prazo determinado, durante a época da safra industrial (período de compra e beneficiamento de fumo).”
Sem esquecer, é claro, os tributos que recolhe das fumaças emaranhadas expelidas nos bilhões de cigarros fumados.
Com toda essa nocividade abertamente divulgada, claro que ações de responsabilidade civil por danos morais também passaram a se dar no Brasil (como se dá em outros países) fundamentadas nas doenças contraídas pelo consumidor na sustentação do vício. A Souza Cruz, em seus relatórios públicos, reconhece tais ações nas quais se revela vitoriosa na maioria, até porque, além de afirmar "lícita sua atividade", um dos argumentos acolhidos no Judiciário é de pasmar:
“Os riscos associados ao consumo de cigarros são de conhecimento do público há décadas, inclusive antes da veiculação das cláusulas de advertência.”
Não há, é verdade, nos Tribunais brasileiros, posicionamento firme sobre essa matéria. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça deverá decidir brevemente, por voto de desempate, se a prescrição de tais ações é de cinco anos do conhecimento da doença conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor ou de vinte anos como estabelece o Código Civil de 1916, porque neste caso, o fumante inveterado por décadas teve a doença paulatinamente agravada pelo vício ao longos dos anos.
Meu palpite é que prevalecerá a prescrição após cinco anos do conhecimento do lesão como estabelece o CDC, porque essas ações indenizatórias são fundamentadas nessa lei.
Prevalecendo a prescrição de cinco anos, milhares de lesados perderão o direito de ação.
Por derradeiro, há que informar que existe uma outra pendência no Judiciário, desta feita no Supremo Tribunal Federal. Trata-se da Lei Estadual nº. 13.541, de 07.05.2009 de São Paulo que não só proíbe “o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco” em locais públicos ou privados numa ampla conceituação, como veda a existência de locais próprios de fumantes, os “fumódromos”. A Lei Federal n° 9294/94 garante tais áreas “devidamente isoladas e com arejamento conveniente.”
Os estabelecimentos em São Paulo que não seguirem a Lei estadual citada, serão penalizados com multas. Suas disposições terão eficácia a partir de 08 de agosto vindouro.
Essa Lei no STF (ADI n° 4249) vem sendo qualificada de inconstitucional sob argumento de que a matéria que ela regula é de competência federal e não estadual.
Aguardemos o desfecho dessas demandas
De tudo isso se conclui que não fumar é muito bom para a saúde e aqueles que fumam, com juízo e muito esforço deverão tentar se livrar do vício que os prejudica e os torna “inconvenientes” e com essa vitória, contar aos fumantes como a conquistaram (gostinho de levar vantagem, certo?)
Tenho dito.
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